(Re)Pensar Os Processos Educativos Escolares Sob O Olhar Da Inclusão Digital

(Karina Marcon, Vitor Malaggi)


Quais são as possíveis transformações dos processos educativos escolares em um contexto de inclusão digital?

O conceito de inclusão digital muitas vezes é associado ao simples acesso às tecnologias digitais de rede e à conexão a internet. Para além dessa perspectiva do acesso, propomos aqui uma discussão na qual a inclusão digital é compreendida como um processo que oportuniza ao sujeito a apropriação autoral, crítica e criativa das tecnologias, reconhecendo seu papel político, comunicativo e educacional. Quando pensamos os processos educativos escolares sob o olhar da inclusão digital, temos a necessidade de refletir sobre as transformações na relação educador-educando em contextos educativos interativos e sobre o potencial pedagógico de tecnologias interativas em processos de ensino-aprendizagem. Essa é a proposição deste texto, vamos lá?

Objetivos Educacionais:

  • Discutir o conceito de inclusão digital e sua articulação com a informática educativa;
  • Refletir sobre as transformações na relação educador-educando em contextos educativos interativos;
  • Conhecer exemplos de tecnologias interativas passíveis de apropriação pedagógica nos processos de ensino-aprendizagem da Educação Básica.

Índice:

1 INTRODUÇÃO

O ingresso na cultura participativa é uma necessidade intrínseca do sujeito na sociedade tecnológica contemporânea, e acreditamos que essa questão precisa ser refletida nos processos educativos escolares. Uma nova dinâmica educacional surge com a inerência das tecnologias digitais de rede na sociedade e nos espaços escolares, propiciando uma situação de conectividade intensa e provocando novas demandas, como a necessidade de acesso e de apropriação dessas tecnologias na vida social.
Pensamos que é preciso superar a simples busca do acesso do sujeito às tecnologias, pois “[…] enquanto o foco permanecer no acesso, a reforma permanecerá concentrada nas tecnologias; assim que começarmos a falar em participação, a ênfase se deslocará para os protocolos e práticas culturais” (JENKINS, 2009, p. 52). Mais do que proporcionar o ingresso do sujeito no mundo tecnológico, o que está em pauta é a construção de novas formas de pensamento, de conhecimento e de cultura.

Cinco conceitos de Henry Jenkins – Cultura da convergência

Este vídeo discute cinco conceitos trabalhados na obra Cultura da convergência, de Henry Jenkins. Tais conceitos são interessantes para compreender as dinâmicas comunicacionais em um contexto sociotécnico em que há convergência entre mídias analógicas e digitais.



Fonte: Youtube

Entendemos ser nuclear a promoção de novas “[…] formas de educação e letramento midiático que auxiliem as crianças a desenvolver as habilidades necessárias para se tornarem participantes plenos de sua cultura” (JENKINS, 2009, p. 331). Um conceito que nos possibilita entender essas dimensões de apropriação tecnológica é o de inclusão digital, pelo qual os sujeitos são compreendidos como produtores ativos de conhecimento e de cultura, em uma dinâmica reticular que privilegia a vivência de características nucleares na sociedade contemporânea, como a interação, a autoria e a colaboração. Inclusão digital pressupõe o empoderamento das pessoas por meio das tecnologias, da garantia da equidade social e da valorização da diversidade, suprindo necessidades individuais e coletivas, visando à transformação das próprias condições de existência e o exercício da cidadania na rede (MARCON, 2015).

Dimensões do conceito de inclusão digital
  1. Apropriação/fluência/empoderamento tecnológico.
  2. Produção/autoria individual/coletiva de conhecimento e de cultura.
  3. Exercício da cidadania na rede.

O Eixo 1 – Apropriação/fluência/empoderamento tecnológico – diz respeito ao acesso, à apropriação, ao domínio e à fluência tecnológica, condições necessárias para reconhecer e transitar pela linguagem hipermidiática, condutora da cultura digital. É nesse eixo que dialogamos com os diferentes níveis de apropriação tecnológica e letramento digital, reconhecendo a necessidade de se assegurar a equidade de acesso, bem como oportunizar o empoderamento dos sujeitos por meio das tecnologias digitais de rede, reconhecendo seu potencial comunicacional, educativo e político.

O Eixo 2 – Produção/autoria individual/coletiva de conhecimento e cultura – compreende os sujeitos como autores e produtores ativos de conhecimento e de cultura. As tecnologias digitais de rede potencializam a vivência de processos comunicacionais interativos, autorais e colaborativos. Com a abertura dos polos de emissão, a cibercultura autoriza o sujeito a se expressar, interagir e participar. Superam-se a comunicação unidirecional e os limites temporais e espaciais, privilegia-se a interação todos-todos. É nesse eixo que correlacionamos a inclusão digital com a apropriação crítica e criativa das tecnologias digitais de rede, na qual os sujeitos, além de consumidores, são autorizados a criar, produzir e compartilhar informações, conhecimentos e cultura.

O Eixo 3 – Exercício da cidadania na rede – refere-se à garantia de participação política dos sujeitos no ciberespaço e à valorização da diversidade social. Reconhecemos que a apropriação tecnológica pode acontecer de acordo com a realidade e interesses de cada sujeito, isto é, cada um se apropria das tecnologias de acordo com as suas necessidades individuais, coletivas ou comunitárias. Nesse eixo, fazemos uma interlocução com propostas que objetivam o reconhecimento das tecnologias digitais de rede como propulsoras de transformação das próprias condições de existência e do exercício da cidadania na rede.

Fonte: MARCON, 2015.

CINECLUBE: BLACK MIRROR
Black Mirror
Disponível na Netflix
Uma das séries televisivas mais aclamadas dos últimos tempos por público e crítica, Black mirror nos “prende na tela” pelo viés de, em narrativas de possíveis distopias tecnológicas, mostrar-nos como, na verdade, muitos aspectos críticos desses cenários hipotéticos já ocorrem na realidade atual. É o caso do episódio “Nosedive”, em que as mídias sociais ganham papel preponderante não somente pela simples mediação dos indivíduos no digital, mas, sobretudo, para determinar seus papéis e possibilidades na sociedade. Aqueles que ganham boas classificações com quem interagem constituem um score alto que lhe permite regalias diversas: de descontos no aluguel a estar rodeado de “amigos”. Notas baixas, por sua vez, conduzem a processos de exclusão social.A proposta de debates para este Cineclube é a seguinte: Quais seriam as possíveis facetas desumanizantes das tecnologias interativas, em contextos sociotécnicos em que, cada vez mais, tais recursos parecem mediar nossas relações com o mundo e com os outros? Além disso, como podemos (se podemos…) subverter esses processos?

A docência na cultura digital nos coloca como problemática a formação inicial e permanente dos educadores, tendo em vista a inserção crítica e intencional das tecnologias digitais em rede (TDRs) nos processos de ensino-aprendizagem. Tal formação, no campo da Tecnologia na Educação, pode ser interpretada como conjunto de atividades que visa à inclusão digital,

[…] processo horizontal que deve ocorrer a partir do interior dos grupos com vistas ao desenvolvimento de cultura de rede, numa perspectiva que considere processos de interação, de construção de identidade, de ampliação da cultura e de valorização da diversidade, para, desde uma postura de criação de conteúdos próprios e de exercício da cidadania, possibilitar a quebra do ciclo de produção, consumo e dependência tecnocultural (TEIXEIRA, 2010, p. 39).

Em outras palavras, uma formação que intencione (re)pensar saberes e práticas necessárias à docência na cultura digital deve envolver, no mínimo, três tarefas distintas porém interdependentes e complementares:

  1. apropriação das TDRs em nível de construção da fluência tecnológica, enquanto aprendizado de “como operar” as interfaces digitais que perpassam a utilização das TDRs;
  2. apropriação pedagógica das características comunicacionais das TDRs, no sentido de refletir acerca das ressignificações e possibilidades abertas à práxis educativa a partir do reconhecimento da lógica interativa e reticular que perpassa tais artefatos tecnológicos;
  3. objetivação pedagógica das características interativo-comunicacionais das TDRs em processo educativos com os alunos. Ou seja, a inserção planejada e intencional desses artefatos em situações de ensino-aprendizagem, sempre ressaltadas, lembremos, a vinculação das propostas educativas com as TDRs e as concepções político-pedagógicas de viés crítico e emancipatório.

Dessa forma, o educador passa de um mero consumidor de propostas prontas e pré-formatadas, acerca de como utilizar as TDRs na Educação, inserindo-se de forma protagonista na ação-reflexão-ação acerca dos potenciais pedagógicos desses artefatos. Passa a valorizar seus conhecimentos pedagógicos prévios e a forma como estes podem reagir com novas modalidades de docência, pautadas na cultura digital, no sentido de construção coletiva de sua identidade profissional como síntese histórica e, portanto, sempre aberta e afeita a ressignificações. Enfim, insere-se em um movimento de formação permanente, enquanto conjunto de atividades educativas processuais, ininterruptas e coletivas, ao passo em que se assume, solidariamente com seus pares, como sujeito que problematiza, investiga e transforma as práticas educativas desenvolvidas nas instituições de ensino de que faz parte.
Nesse contexto, uma das principais dimensões das práticas educativas mediadas pelas TDRs e que exige do(a) educador(a) um processo constante de reflexão, é a forma como será configurada a sua relação com os(as) educandos(as). Ou seja, cria-se um debate que envolve um (re)pensar sobre os papéis e funções desses sujeitos no processo educativo, agora também mediatizado por artefatos tecnológicos digitais de cunho interativo-dialógico.

2 RELAÇÃO EDUCADOR-EDUCANDO EM CONTEXTOS EDUCATIVOS INTERATIVOS

No presente item, intencionamos apresentar algumas discussões preliminares sobre os papéis e/ou funções dos educadores e educandos em contextos educativos interativos; mais precisamente, passados pela apropriação pedagógica das tecnologias digitais de rede (TDRs). Estas podem ser compreendidas como os ambientes hipermidiáticos de comunicação interativa que surgem com o advento do ciberespaço, permitindo o estabelecimento de processos de autoria colaborativa e protagonismo de cada nó pertencente a uma determinada rede digital. Portanto, entendemos que as TDRs engendram a inteligência coletiva, ideia-síntese do movimento social de apropriação crítica e criativa das tecnologias interativas de comunicação na cibercultura (MALAGGI, 2009).
Destacamos, ainda, que as TDRs são expressadas pela linguagem nativa do ciberespaço, a hipermídia, que articula diferentes formatos midiáticos (imagem, escrita, audiovisual etc.) em arquiteturas hipertextuais, modelos estruturais reticulares e não lineares de organização dos conteúdos/mensagens dos processos comunicativos (SANTAELLA, 2004). O conceito que mais bem expressa essa lógica comunicativa é o de interatividade:

[…] uma comunicação […] [é] de fato [interativa] quando […] [está imbuída] de uma concepção que contemple complexidade, multiplicidade, não linearidade, bidirecionalidade, potencialidade, permutabilidade (combinatória), imprevisibilidade, etc., permitindo ao usuário-interlocutor-fruidor a liberdade de participação, de intervenção, de criação (SILVA, 2010, p. 105).

Logo, a interatividade nos propõe uma total subversão dos esquemas de transmissão unidirecional de informações dos mass media (p. ex., rádio, jornal e TV analógica). O receptor/leitor não é mais um depósito de significados/sentidos expressados por outrem; ele possui a capacidade de participar-intervir no modo como o processo comunicativo está sendo conduzido. Já o emissor/escritor não enuncia uma mensagem fechada, sem possibilidades de intervenção por parte do receptor/leitor; ele propõe um conjunto de possíveis caminhos, “vias de acesso” e “sinalizações” por onde ele construirá seus sentidos com o emissor/escritor. Em síntese, ocorre uma hibridação dos papéis existentes no ato comunicativo, fundindo as funções sempre móveis e dinâmicas de emissor e receptor (SILVA, 2010).

FIGURA 1 – Paradigma comunicacional dos mass media e das TDRs
FIGURA 1 - Paradigma comunicacional dos mass media e das TDRs
Fonte: Os autores.

Diante do exposto e embasados no princípio epistemológico freiriano de que a apropriação e (re)criação de conhecimentos depende de ações comunicativas compartilhadas por sujeitos dialogantes mediatizados pelo mundo (FREIRE, 1977), podemos concluir que as TDRs potencializam processos de autoria colaborativa situados no ciberespaço ao permitirem a ampliação da comunicação dialógica para além das fronteiras do espaço-tempo analógico. Com Freire, afirmamos que a apropriação e (re)criação de conhecimentos somente é possível quando os sujeitos tomam parte da construção de um “pensar correto” em comum, “materializado” em uma rede de significados/sentidos que apreende de forma intersubjetiva uma ação-sobre-objeto da/na realidade. Nessa perspectiva, nos processos educativos mediatizados pelas TDRs imbuídas da lógica comunicativa de perspectiva interativa, tanto educadores quanto educandos devem ser reconhecidos como sujeitos frente ao objeto cognoscível e coparticipar nos processos de ensino-aprendizagem para conhecer a realidade.

FIGURA 2 – O conceito de diálogo freiriano
FIGURA 2 - O conceito de diálogo freiriano
Fonte: Malaggi e Teixeira, 2019

Contudo, precisamos adentrar de forma mais detida no que significa “ser sujeito frente ao objeto cognoscível”, quando abordamos as especificidades da relação educador(a)-educando(a). Na perspectiva pedagógica adotada por Freire, visando superar aquilo que denominou de contradição educador-educando (2011, p. 87), tem-se por um lado uma crítica ao autoritarismo diretivista das relações de ensino-aprendizagem empregadas na “educação bancária” – um conceito-metáfora caracterizador da Tendência Liberal Tradicional (LIBÂNEO, 1986):

[…] a educação libertadora, problematizadora, já não pode ser o ato de depositar, ou de narrar, ou de transferir, ou de transmitir “conhecimento” e valores aos educandos, meros pacientes, à maneira da educação “bancária”, mas um ato cognoscente. Como situação gnosiológica, em que o objeto cognoscível, em lugar de ser o término do ato cognoscente de um sujeito, é o mediatizador de sujeitos cognoscentes, educador, de um lado, educandos, de outro, a educação problematizadora coloca, desde logo, a exigência da superação da contradição educador-educandos, Sem esta, não é possível a relação dialógica, indispensável à cognoscibilidade dos sujeitos cognoscentes, em torno do mesmo objeto cognoscível (FREIRE, 2011, p. 94 e 95).

Porém, e se tão somente criticasse a educação bancária pelo seu “verticalismo” nas relações educador-educando, Freire incorreria no mesmo erro das tendências pedagógicas não diretivistas (incluindo, aqui, certos autores da Escola Nova), ao situar o polo central dos processos educativos na figura do aluno. Assim é que na Educação Libertadora reside uma crítica igualmente radical ao não diretivismo “licencioso”, ou ao que Freire denominava de “espontaneísmo”: característica das relações de ensino-aprendizagem em que os educandos apreendem a realidade por meio de sua autoatividade, sendo o educador rebaixado em sua função diretiva. No espontaneísmo pedagógico, a figura do docente passa a ser vista como um “facilitador”, “organizador” ou “criador”” das “disposições gerais” ou “ambientes” de aprendizagem. A aprendizagem, aqui, é dicotomizada da sua relação com o ensino: entende-se que a melhor aprendizagem é aquela que nasce livremente das disposições “naturais” da criança, e não aquela engendrada intencionalmente pelo ensino. Para Freire, o educador-educando, em um contexto educativo libertador, não pode impor a sua “leitura” científico-filosófica, estética ou ético-política aos alunos, nem tampouco reduzi-la

[…] a um exercício complacente […] em que, como prova de respeito à cultura popular, silenciam em face do “saber de experiência feito” e a ele se adaptem. A posição dialética e democrática implica, pelo contrário, a intervenção do […] [professor] como condição indispensável à sua tarefa. E não vai nisto nenhuma traição à democracia [e a dialogicidade da educação], que é tão contraditada pelas atitudes e práticas autoritárias quanto pelas atitudes e práticas espontaneístas, irresponsavelmente licenciosas (FREIRE, 2009, p. 106 e 107, grifo nosso).

Na abordagem freiriana, somente poderá haver Educação Libertadora quando tanto o educador quanto os educandos “morrerem” para “renascer” enquanto educador-educando e educandos-educadores, sem que com isso percam as especificidades dos seus papéis/funções como sujeitos dos processos de ensino-aprendizagem. Docentes e discentes, ao dialogarem com vistas à apropriação dos conteúdos escolares que conceituam criticamente o objeto cognoscível, encontram-se igualmente problematizados acerca do que sabem e de como sabem sobre tal objeto. É assim que, para Freire, “[…] quem forma se forma e re-forma ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado” (1996, p. 23). Isso posto, entende-se que a dialogicidade, como relação constituinte do ato gnosiológico, exige para a produção da inteligibilidade do objeto cognoscível um esforço comunicativo de ir ao encontro do outro para “pensar certo” de forma coparticipada (FREIRE, 1977). Essa premissa epistemológica coloca aos processos educativos libertadores a premência de proclamar que “ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo” (FREIRE, 2011, p. 95). Tal frase sintetiza a ressignificação dos papéis do docente e discentes no seio da superação da contradição educador-educandos.

Mapa Conceitual e Glossário – Educação Libertadora Freiriana

Nestes materiais, encontram-se sintetizados em formato visual e textual alguns dos conceitos centrais para a compreensão dos fundamentos teórico-metodológicos da Educação Libertadora Freiriana.

Artigo completo aqui.

Dentro dessa perspectiva, a crítica do espontaneísmo resulta igualmente necessária no delineamento das diretrizes de uma educação ancorada nas características comunicacionais interativas das TDRs. É assim que Silva critica a compreensão de alguns autores que atrelam a atuação do educador a uma perspectiva espontaneísta,

[…] algo inaceitável sob o ponto de vista dos fundamentos da interatividade: “não são mais os estudantes que têm que seguir o mestre, mas este último que tem que seguir os estudantes para poder inserir-se no desenrolar do seu pensamento e trazer no momento propício elementos de conhecimento ajustados às questões que se colocam os estudantes” […]. Colocar o aluno como centro do processo é fazer a mudança de um polo a outro e recair em nova simplificação: antes o professor, agora o aluno (SILVA, 2010, p. 209).

Logo, na apropriação pedagógica das TDRs em contextos educativos, tendo como base os pressupostos dialógico-problematizadores pontuados por Freire (2011; 1977) e interativo-comunicacionais de Silva (2010), é possível conviver de forma harmônica e radicalmente democrática a liberdade do educando-educador e a autoridade do educador-educando. Como bem pontua Silva (2010, p. 24), a perspectiva de maior alcance teórico-prático na relação entre as tecnologias comunicacionais interativas e a educação refere-se à “[…] revitalização da prática pedagógica e da autoria do professor, a partir do redimensionamento da pragmática comunicacional que classicamente vem separando a emissão e a recepção”. Assim, uma das principais funções do educador-educando é a de dialogar com os educandos-educadores no sentido de problematizá-los acerca das suas relações no e com o mundo (FREIRE, 2011), “[…] na base da provocação e da disponibilização da participação livre e plural, do diálogo que gera cocriação, e da articulação de múltiplas informações e conexões” (SILVA, 2010, p. 210).

Nesse sentido, Freire (1996, p. 26) coloca como tarefa docente a de “[…] trabalhar com os educandos a rigorosidade metódica com que devem se ‘aproximar’ dos objetos cognoscíveis”, visto ser justamente a apropriação e (re)criação sistemática do conhecimento a função principal dos espaços educativos. De forma análoga, Silva expõe como ações centrais da autoria do educador-educando nos processos de ensino-aprendizagem a formulação de “[…] problemas voltados para o desenvolvimento de competências que possibilitem ao aprendiz ressignificar ideias, conceitos e procedimentos”, bem como desenvolver “[…] atividades que propiciem não só a livre expressão, o confronto de ideias e a colaboração entre os estudantes, mas que permitam, também, o aguçamento da observação e da interpretação das atitudes dos atores envolvidos” (SILVA, 2010, p. 256 e 257).

O educador deve estimular a problematização dos educandos acerca da realidade, não compreendendo o questionar inicial do discente como algo inerentemente bom e que deve ser preservado em sua espontaneidade: ao contrário, é papel do educador-educando problematizar a problematização dos educandos, para que estes se habilitem a “melhor perguntar” (FREIRE, 1985, p. 48). Também é função docente mediar a admiração ou “re-ad-miração” que os discentes estejam realizando sobre um objeto cognoscível. Não sendo o diálogo problematizador um esterilizante intercâmbio de perguntas e respostas sem objetivos e intenções entre educador e educando, existem momentos nos processos de ensino-aprendizagem em que a intervenção pedagógica do educador se faz também por meio de “[…] momentos explicativos [ou] narrativos em que o professor expõe ou fala do objeto” (FREIRE, 1996, p. 86).

Em nossa análise, o que preocupa Freire em suas críticas à Educação Bancária é que a totalidade dos momentos de ensino-aprendizagem sejam realizados por meio das falas do educador, sendo os educandos nesse processo relegados à passividade comunicativa, mesmo que possam em um esforço próprio “reconstruir” os conceitos expressos na fala do professor. Ao mesmo tempo, julgamos que uma apreensão rigorosa do objeto de conhecimento não é algo conquistável por meio das primeiras “visadas significativas” sobre a realidade. Tal apreensão demanda um processo constante de aproximações, marcado por involuções e evoluções em que, por intermédio da intervenção pedagógica do educador, o educando vai adentrando criticamente na compreensão da realidade. No entendimento de Freire, o educador-educando é

[…] tão melhor professor […] quanto mais eficazmente consiga provocar o educando no sentido de que prepare ou refine sua curiosidade, […] com vistas a que produza sua inteligência do objeto ou do conteúdo […]. Na verdade, [o papel do educador-educando], ao ensinar o conteúdo a ou b, não é apenas o de […] [esforçar-se] para, com clareza máxima, descrever a substantividade do conteúdo para que o aluno o fixe. [O] papel fundamental, ao falar com clareza sobre o objeto, é incitar o aluno para que ele, com os materiais […] [oferecidos], produza a compreensão do objeto em lugar de recebê-la, na íntegra […] [do educador-educando]. […] Ensinar e aprender têm que ver com o esforço metodicamente crítico do professor de desvelar a compreensão de algo e com o empenho igualmente crítico do aluno de ir entrando, como sujeito em aprendizagem, no processo de desvelamento que o professor ou professora deve deflagrar. […] ensinar não é transferir a inteligência do objeto ao educando, mas instigá-lo no sentido de que, como sujeito cognoscente, se torne capaz de inteligir e comunicar o inteligido. É nesse sentido que se impõe […] [ao educador] escutar o educando em suas dúvidas, em seus receios, em sua incompetência provisória. E ao escutá-lo, aprender a falar com ele (FREIRE, 1996, p. 118 e 119, grifos do autor)

(Re)pensar a relação educador-educando… com Freire!

Neste vídeo, o professor André Azevedo da Fonseca apresenta de forma didática a discussão empreendida por Paulo Freire, em seu famoso livro Pedagogia da autonomia, acerca da ressignificação dos papéis de educadores e educandos em uma perspectiva pedagógica dialógica.



Fonte: Youtube

Silva (2010, p. 88) propõe que, nos contextos de ensino-aprendizagem passados pela disponibilização de tecnologias comunicacionais interativas, o educador-educando deve perceber que o estilo digital-interativo de ensino-aprendizagem requer tanto a assunção da participação-intervenção dos educandos-educadores quanto a manutenção da especificidade da sua intervenção pedagógica. Seu papel, ao envolver momentos de exposição e abertura/disponibilização à coparticipação dos discentes no ato gnosiológico, é demarcado por atitudes que caracterizam sua autoria na criação da materialidade da ação comunicativo-interativa. Assim, Silva propõe que o

[…] professor não transmite o conhecimento. Ele disponibiliza domínios de conhecimento de modo expressivamente complexo e, ao mesmo tempo, uma ambiência que garante a liberdade e a pluralidade das expressões individuais e coletivas. Os alunos têm aí configurado um espaço de diálogo, participação e aprendizagem. O professor não distribui o conhecimento. Ele disponibiliza elos probabilísticos e móveis que pressupõem o trabalho de finalização dos alunos ou campos de possibilidades que motivam as intervenções dos alunos. Estes constroem o conhecimento na confrontação coletiva livre e plural (2010, p. 221, grifos nosso).

Nessa perspectiva, julga-se possível afirmar que o educador não é relegado a um mero “assistir ao educando”, que age e se movimenta sozinho nos espaços-tempos reticulares que ele institui. Indo além disso, o docente deve se afirmar também como um nó da rede, com autoridade pedagógica para assumir a centralidade dos processos de ensino-aprendizagem e, assim, conduzir os alunos para que possam alcançar a compreensão dos significados em jogo na apreensão do objeto de conhecimento. Seu papel é composto por dois elementos cruciais, duas funções que se combinam e estabelecem a sua autoria em uma educação dialógico-problematizadora ancorada nas TDRs: a composição da materialidade da ação comunicativo-interativa e a intervenção pedagógica. Esses elementos implicam, respectivamente, dispor dialogicamente a rede de ensino-aprendizagem e interferir intencionalmente nas atividades de ensino-aprendizagem efetivadas com os educandos.

Por sua vez, no que se refere às ressignificações no papel/função dos educandos-educadores, poder-se-ia afirmar que a compreensão tradicional do aluno enquanto “depósito” que recebe passivamente as informações repassadas do professor deixa de existir em um ambiente educacional permeado pela perspectiva da interatividade (SILVA, 2010, p. 121). O educando deve, assim, inserir-se ativamente na busca por reflexões sobre temas/objetos que também lhe digam respeito, que derivem das suas ações na e com a realidade, reflexões essas que vão lhes possibilitando transformar praticamente a realidade em níveis mais críticos. O aprendiz em um ambiente educacional permeado pela concepção da interatividade “[…] não atuará mais como receptor de conhecimentos a seres reproduzidos no dia da prova”. Ao contrário disso, “[…] ele adentra e opera com os conteúdos da aprendizagem propostos pelo professor. Nele inscreve sua emoção, sua intuição, seus anseios […], sua imaginação, sua inteligência, na perspectiva de coautoria” (SILVA; CLARO, 2007, p. 85). Tais reflexões encontram na educação dialógico-problematizadora freiriana um aporte pedagógico essencial:

[…] nas condições de verdadeira aprendizagem os educandos vão se transformando em reais sujeitos da construção e da reconstrução do saber ensinado, ao lado do educador, igualmente sujeito do processo. Só assim podemos falar realmente de saber ensinado, em que o objeto ensinado é apreendido na sua razão de ser e, portanto, apreendido pelos educandos (FREIRE, 1996, p. 26).

Interatividade na Educação – Professor Marco Silva

Neste vídeo, o professor Marco Silva discute múltiplas dimensões envolvidas na apropriação da interatividade como conceito e prática dos processos educativos.



Fonte: Youtube

O vídeo abaixo, gravado no Centro de Educação a Distância da Universidade do Estado de Santa Catarina (CEAD/UDESC), o professor Marco Silva fala sobre o diálogo na construção do conhecimento presencial e online



Fonte: Youtube

É assim que, para Freire, o papel dos educandos-educadores, na perspectiva dialógico-problematizadora, é de inserção como sujeitos com o educador na admiração dos objetos cognoscíveis, por meio do qual estarão potencializando “[…] sua capacidade crítica de ‘tomar distância’ do objeto, de observá-lo, de delimitá-lo, de cindi-lo, de ‘cercar’ o objeto ou fazer sua aproximação metódica, sua capacidade de comparar, de perguntar” (FREIRE, 1996, p. 85, grifo do autor). Igualmente, Silva propõe que, em uma “Pedagogia Interativa”, o papel e funções do educando-educador devem estar pautados pela participação-intervenção com que

[…] se inscreve nos estados potenciais do conhecimento arquitetados pelo professor de modo que evoluam em torno do núcleo preconcebido pelo professor com coerência e continuidade. O aluno não está mais reduzido a olhar, ouvir, copiar e prestar contas. Ele cria, modifica, constrói, aumenta e, assim, torna-se coautor, já que o professor configura o conhecimento em estados potenciais (2010, p. 227 e 228).

Resumindo tal contexto educativo na expressão “Sala de Aula Interativa”, Silva sistematiza as bases pedagógicas derivadas do encontro das características interativas das TDRs com as diretrizes de uma educação compreendida como apropriação e (re)criação coparticipada de conhecimentos acerca da realidade (FREIRE, 2011):

A sala de aula interativa seria o ambiente em que o professor interrompe a tradição do falar/ditar, deixando de identificar-se com o contador de histórias, e adota uma postura semelhante a do designer de software interativo. Ele constrói um conjunto de territórios a serem explorados pelos alunos e disponibiliza coautoria e múltiplas conexões, permitindo que o aluno também faça por si mesmo. Isso significa muito mais do que “ser um conselheiro, uma ponte entre a informação e o entendimento, […] um estimulador de curiosidade e fontes de dicas para que o aluno viaje sozinho no conhecimento obtido nos livros e nas redes de computador”. O aluno, por sua vez, passa de espectador passivo a ator situado num jogo de preferências, de opções, de desejos, de amores, de ódios e estratégias, podendo ser emissor e receptor no processo de intercompreensão. E a educação pode deixar de ser um produto para se tornar processo de trocas de ações que cria conhecimento e não apenas reproduz (SILVA, 2010, p. 27, grifos do autor).

Portanto, a opção por uma apropriação pedagógica das TDRs, de acordo com os pressupostos expostos por Freire e Silva, nega tanto a não diretividade espontaneísta quanto o autoritarismo cerceador da liberdade dos educandos em se assumirem e serem reconhecidos como sujeitos da práxis nos processos de ensino-aprendizagem. No próximo item, conheceremos algumas possibilidades tecnológicas de cunho interativo que podem ser agenciadas pelos(as) educadores(as), no sentido de abertura de potenciais dialógicos no ensino-aprendizagem. Potenciais que perpassam tanto a diretividade e intervenção pedagógica do(a) educador(a), na composição da materialidade da ação comunicativo-interativa, quanto a autoria colaborativa dos(as) educandos(as), que, assim, aprendem-e-ensinam em coparticipação.

Mapa conceitual – Educação, comunicação e tecnologia

No material abaixo disponibilizado, intencionou-se a produção de uma teia de conceitos a partir dos termos nucleares “educação”, “comunicação” e “tecnologia”. Com base nas interfaces entre esses conceitos, são sistematizados significados que versam sobre as potencialidades/limites das tecnologias interativas no (re)configurar pedagógico das práticas educativas da sociedade contemporânea.



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3 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E TECNOLOGIAS INTERATIVAS NA EDUCAÇÃO BÁSICA

A apropriação dos recursos tecnológicos digitais é apenas uma das tantas dimensões que precisam ser incorporadas à formação de educadores e educandos. Da relação estabelecida entre tecnologias digitais de rede e práticas pedagógicas, surgem potencialidades em função das próprias características interativas desses artefatos, ao possibilitarem autoria, coautoria, colaboração e participação ativa nos processos de ensino-aprendizagem.
Entre as diversas tecnologias disponíveis na Web 2.0, indicamos, a seguir, algumas que podem contribuir com as práticas pedagógicas na Educação Básica:

Story JumperO Story Jumper é um site que permite a criação de livros digitais, com temática infantil. Com esse site, é possível trabalhar com a criatividade, a autoria (individual e coletiva), além de processos de apropriação da linguagem escrita, da estética e da arte. Os usuários podem inserir imagens (objetos e personagens), cenários, bem como textos e narrações. Saiba mais em: https://www.storyjumper.com/

Movie MakerO Movie Maker é um software de edição de vídeos. No Movie Maker é possível criar, editar e compartilhar vídeos. Com esse software, é possível pensar em uma produção autoral, estimulando a sistematização do conhecimento, a participação dos educandos como protagonistas na produção de conteúdos midiáticos. Saiba mais em: http://www.windows-movie-maker.org/

EdmodoO Edmodo é uma rede social educacional. Parecida com as redes sociais que conhecemos, seu objetivo é conectar professores e alunos, estimulando a criação de comunidades virtuais de aprendizagem. Saiba mais em: https://www.edmodo.com

CanvaO Canva é um serviço online que possibilita a criação fácil e intuitiva de diferentes designs. Com poucos cliques e a partir de templates e recursos da própria tecnologia, torna-se possível criar materiais midiáticos diversos, como cartazes, panfletos, postagens de redes sociais, livros digitais, cartões e muito mais. Excelente para o trabalho de produção textual a partir de diferentes gêneros textuais. Saiba mais em: http://canva.com

PadletPadlet é um serviço da internet que permite a criação de um mural digital, onde é possível inserir conteúdos sobre determinados temas. Ele funciona como uma folha de papel online onde as pessoas podem colocar qualquer conteúdo em postagens (por exemplo, imagens, vídeos, documentos de texto). Os usuários do mural podem conversar sobre esses conteúdos, ao inserir comentários. As postagens do mural podem ser organizadas visualmente de diferentes formas, de acordo com o interesse do usuário que o criou. Por fim, o criador do mural pode convidar outros usuários do Padlet para editarem um mural colaborativo. Saiba mais em: https://pt-br.padlet.com/

VokiO Voki é um site que permite a criação de avatares. Por meio deles, os alunos poderão criar avatares que os representem em um contexto digital. O site permite a inclusão de texto e/ou áudio, o que estimula o desenvolvimento da oralidade e da escrita. Saiba mais em: http://www.voki.com/

WordArtWordArt é um serviço disponível na internet que permite criar nuvens de palavras, a partir de diferentes formas (geométricas, desenhos de objetos, pessoas etc.). Ao acessar o WordArt, o usuário poderá escolher entre diversos desenhos/formas disponibilizadas na ferramenta, inserindo as palavras que estarão na sua “nuvem”. Essas palavras podem ser formatadas de diferentes maneiras: tamanhos de fonte, cores, organização visual, etc. As nuvens de palavras criadas podem ser salvas como uma imagem, para posteriormente serem impressas, por exemplo. O WordArt permite também gerar um link de acesso à nuvem de palavras, que poderá ser enviado para outras pessoas (via e-mail, por exemplo) ou inserido em um site, blog, rede social etc. Saiba mais em: http://wordart.com

YouTubeO YouTube é uma plataforma de distribuição de vídeos. Nela o usuário pode acessar vídeos produzidos por outras pessoas, assim como compartilhar seus próprios vídeos. É um recurso muito interessante para pesquisas e para socialização de produção autoral dos estudantes. Saiba mais em: https://www.youtube.com

PreziO Prezi é uma ferramenta baseada na Web 2.0 que permite a criação de apresentações dinâmicas, interativas e eficientes. De acordo com o site do Prezi [https://prezi.com/the-science/], há estudos que apontam que apresentações com recursos visuais são cerca de 43% mais persuasivas do que aquelas sem esses recursos. Por meio do Prezi e de outros softwares de apresentação, é possível sistematizar e organizar conhecimentos, estudos, resultados de pesquisa, estimulando o compartilhamento de informações e a produção de conhecimento.

É um recurso que, aliado a um planejamento pedagógico orientado, pode oportunizar ao estudante a vivência de processos de ensino-aprendizagem autorais e participativos, porque oportuniza o trânsito pela linguagem digital, a pesquisa de informações em outras linguagens para contribuir com a apresentação, a sistematização do conhecimento, a explanação do que foi estudado, a troca com os pares e o diálogo sobre determinado assunto. Saiba mais em: https://prezi.com

Ainda, destacamos o potencial colaborativo da suíte de aplicativos do Google:

Google DriveO Google Drive permite o armazenamento, criação e compartilhamento de documentos na nuvem. Por meio dele, é possível pensar em propostas coletivas que envolvam diferentes áreas do conhecimento humano. Abaixo, alguns dos aplicativos do Google Drive que podem ser utilizados em sala de aula:

Google MeetO Google Meet permite chamada de vídeos com até 150 participantes. Com ele, é possível conectar-se com pessoas em outros espaços educativos, promovendo a interação e a troca de conhecimentos.

Google MapsO Google Maps possibilita a visualização de mapas e imagens de satélite. Ao arrastar o mouse, o estudante pode visitar sua casa, sua rua, sua escola, sua cidade, assim como outras cidades e países do mundo. O aplicativo também conta com o Google Street View, um recurso que disponibiliza vistas panorâmicas e permite a visualização de algumas regiões do mundo ao nível da rua. Com ele é possível trabalhar diversos conceitos da área da geografia.

Google DocsO Google Docs permite a criação e compartilhamento de arquivos online. Por ser um aplicativo colaborativo, é possível criar textos coletivos envolvendo inúmeros participantes.

Google SheetsO Google Sheets possibilita a edição colaborativa de planilhas eletrônicas, com geração de gráficos, inserção de imagens/desenhos, criação de hiperlinks etc. É uma tecnologia excelente para trabalho articulado com o Google Forms, no tocante ao registro, organização e análise de dados numéricos.

Google FormsO Google Forms possibilita a criação e compartilhamento de formulários online. Os formulários podem ser utilizados para pesquisa e coleta de dados, e seus resultados possibilitam a análise quantitativa por meio de gráficos e tabelas.

Com vistas a exemplificar uma das diferentes possibilidades pedagógicas abertas com as tecnologias indicadas, realizamos abaixo um breve relato de experiência de prática educativa com o Story Jumper em um contexto de Educação Básica:

Criar personagens, imaginar suas ações, suas falas e os lugares em que se encontram…
Recontar histórias, modificar suas partes, inserir novos diálogos, em pequenos contos, poemas, canções… “Ler” suas próprias criações, mesmo que de forma não convencional ainda…Não seriam essas atividades um maravilhoso modo de convidar as crianças, desde a Educação Infantil, a ampliarem seus repertórios acerca da escrita e da leitura?

Uma prática educativa animada por tais ideais pode ser desenvolvida em torno da recriação de histórias, tais como os contos populares. Por exemplo: no contexto da Grande Florianópolis, região com presença marcante da cultura açoriana, o autor Franklin Cascaes desenvolveu um trabalho de recuperação da cultura popular, catalogando e redigindo “causos” sobre o universo mágico das bruxas que rondam essa ilha…

Após um trabalho de imersão na obra do autor, envolvendo intensos momentos de contação de histórias, diálogos sobre os personagens, suas ações e significados, as crianças podem, então, lançarem-se ao desafio do(a) educador(a): “E que tal nós mesmos criarmos nossos contos bruxólicos?”. A ampliação de repertório fornece o subsídio à imaginação; a tecnologia, um novo meio para expressá-la.

As crianças podem se envolver, inicialmente, em um trabalho de autoria de um pequeno roteiro, planificando coletivamente sobre o que e como será o seu “conto”. Adicionalmente, podem articular com a direção do(a) educador(a) pesquisas em diferentes áreas do conhecimento, como a História e a Geografia, visando à apropriação de elementos que permitam situar a narrativa no contexto cultural que vivenciam.

Em seguida, com o auxílio do Story Jumper, iniciam o processo de autoria em colaboração, trabalhando em duplas ou trios, decidindo cada momento da narrativa: as características dos personagens, o enredo, as falas, os cenários. Um recurso interessante do Story Jumper, nesse sentido, é a possibilidade de narração oral da história criada: ou seja, podemos ter aqui uma “história falada”, para além do registro escrito.

Em tal prática educativa, o(a) educador(a) poderá trabalhar diferentes conteúdos da Língua Portuguesa – discurso direto e indireto, gênero textual conto, utilização dos sinais de pontuação etc. Assim, transitam da escrita até a oralidade, por intermédio de atos de comunicação que farão sentido para as crianças: tanto por serem tais contos uma criação sua, culturalmente contextualizada, bem como por essa prática estar amparada em um repertório de conteúdos conceituais, atitudinais e procedimentais em ampliação.

ATIVIDADE: Criação de um livro digital no Story Jumper

Para refletir sobre o conceito de Inclusão Digital, trazemos a seguinte situação-problema:

Na Escola de Educação Básica Anísio Teixeira, os professores frequentemente reservam a sala informatizada para que os estudantes realizem pesquisas ou digitem trabalhos. A coordenadora pedagógica da escola entende que a utilização do laboratório de informática poderia ser otimizada, mas, como conhece pouco dos recursos tecnológicos, não sabe como auxiliar os professores.

A partir dessa situação-problema, reflita sobre a seguinte questão:

De que forma o(a) professor(a) poderia ampliar as possibilidades de utilização da sala informatizada para articular com planejamento pedagógico do currículo escolar?

Para desenvolver essa atividade, gostaríamos que você conhecesse o recurso Story Jumper (https://storyjumper.com). No Story Jumper, crie uma narrativa com possibilidades, sugestões, relatos de experiência e demais questões que você poderia propor para o uso planejado da sala informatizada.

Tecnologias digitais de rede na educação infantilConheça o livro Tecnologias digitais de rede na educação infantil: usos e potencialidades pedagógicas.

De autoria de Malaggi, Marcon e Ripa (2020), esse livro tem o objetivo de apresentar as funcionalidades e as potencialidades pedagógicas de oito tecnologias digitais de rede, com foco em propostas de atividades para a Educação Infantil.

Não é objetivo, deste material sugerir utilizações prontas ou, até mesmo, listar receitas. Os autores/as esperam que suas proposições agucem a curiosidade pedagógica para que, a partir da realidade de cada comunidade educativa, seja possível incluir o uso dessas tecnologias digitais em seus planejamentos pedagógicos, no planejamento escolar e nos projetos político-pedagógicos. Dessa forma, estaremos caminhando para a superação da simples inserção das tecnologias digitais em ambientes educativos, desvinculada de intencionalidade pedagógica.

Conferir material aqui.

Podemos perceber que os potenciais pedagógicos das tecnologias estão intrinsecamente vinculados à percepção que o(a) educador(a) tem do que seja ensinar-a-aprender. De como a sua relação com os(as) educandos(as) pode se dar de maneira horizontal, intencionando o desenvolvimento da sua criatividade e imaginação, sem perder de vista a diretividade pedagógica que guia tais práticas. Isso posto, entendemos que o problema não reside exclusivamente em se ter ou não tecnologias; tais recursos não são a salvação da educação, muito menos a sua ruína. Julgamos, também que a questão não está em ensinar ou não conteúdos, mas sim em torná-los reais objetos de conhecimento em diálogo com os(as) educandos(as).
Em síntese, como nos coloca Paulo Freire, ensejar processos de ensinar-e-aprender que busquem o desenvolvimento da curiosidade epistemológica (FREIRE, 1996), a inserção constante por maravilhar-se com o mundo para, em comunhão, intencionar compreendê-lo e transformá-lo de forma cada vez mais crítica.

4 Considerações finais

Ao pensarmos no potencial pedagógico de uma tecnologia, precisamos, inicialmente, romper com a ideia de que os recursos tecnológicos servem unicamente para “motivar”, “inovar”, “dinamizar” a prática do professor em sala de aula.

Inicialmente, é preciso apropriar-se da tecnologia: utilizar, testar, conhecer as funcionalidades, as limitações, os recursos disponíveis, os aspectos técnicos, as linguagens, enfim, experimentar e explorar o recurso com que está sendo trabalhado. Após entender de forma aprofundada as funcionalidades do recurso, precisamos ter clareza sobre a adequação da ferramenta à etapa da Educação Básica em que estamos trabalhando. Questione-se: o recurso é adequado ao público com que estou atuando?

Além disso, é preciso considerar a intencionalidade pedagógica: quais são os objetivos de ensino e quais são os objetivos de aprendizagem? Que conteúdos serão estudados? Que conceitos estarão sendo trabalhados? Como a atividade será avaliada?

Por fim, é preciso muita imaginação e criatividade pedagógica. Ousar ao utilizar as tecnologias, refletir sobre suas potencialidades a partir da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil (DCNEIs), dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Enfim, valer-se dos documentos oficiais e de outras diretrizes para pensar pedagogicamente a apropriação das tecnologias na prática docente.

Resumo

Este capítulo objetivou propor uma discussão sobre as transformações dos processos educativos escolares a partir de contextos de inclusão digital. Inicialmente, discutimos o conceito e sua articulação com a informática educativa, considerando a inclusão digital como um processo que precisa romper com a lógica do simples acesso aos recursos tecnológicos, uma vez que oportuniza ao sujeito, além da apropriação/fluência/empoderamento por meio das tecnologias, a produção/autoria individual/coletiva de conhecimento e de cultura e o exercício da cidadania na rede. Imersos nesse cenário tecnológico e comunicacional, crianças e jovens imprimem novas problemáticas ao cotidiano escolar, e essas questões provocam a necessidade de (re)pensar a docência, a formação inicial e continuada dos educadores, além de (re)avaliar a relação educador-educando em contextos interativos, foco do Item 2 deste texto. Apresentamos no texto alguns exemplos de tecnologias interativas passíveis de apropriação pedagógica nos processos de ensino-aprendizagem da Educação Básica, sugerindo recursos da Web 2.0 com potencialidades pedagógicas diversas, além de mostrarmos uma experiência prática envolvendo um dos recursos. Ao final do capítulo avaliamos questões pertinentes à apropriação dos recursos tecnológicos interativos na Educação Básica, problematizando, principalmente, o potencial das tecnologias interativas para a prática educativa e a necessidade da intencionalidade pedagógica ao se propor sua objetivação no ensino-aprendizagem em sala de aula.

Leituras Recomendadas

Sala de aula interativa
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(SILVA, 2010) Neste livro, Marco Silva discute de forma ampla e aprofundada os fundamentos epistemológicos, sociotécnicos e comunicacionais do conceito de interatividade. Com base nisso, aborda, pela metáfora da Pedagogia do Parangolé, uma proposta educativa que busca valer-se da interatividade como força-motriz para profundas transformações nos processos de ensinar-e-aprender.

Inclusão digital: novas perspectivas para a informática educativa
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(TEIXEIRA, 2010) Neste livro, Adriano Canabarro Teixeira nos desafia a pensar sobre a cultura da rede na formação de professores. A partir de uma proposta de apropriação autoral das tecnologias da rede (TR) por professores, o autor desenvolve experiências e reflexões que nos auxiliam a compreender os processos de inclusão digital e seus encadeamentos nos processos educativos escolares.

Extensão ou comunicação?
Extensão ou comunicação?

(FREIRE, 1977) Livro escrito no exílio no Chile, em que Freire analisa as bases epistemológicas dos processos de extensão rural então empregados na reforma agrária empreendida pelo governo de Eduardo Frey. Pelo viés de uma crítica radical ao conceito de “extensão”, Freire expõe a sua compreensão dialógica sobre a comunicação: “[…] encontro amoroso dos homens e mulheres que, mediatizados pelo mundo, o ‘pronunciam’, isto é, o transformam e, transformando-o, o humanizam para a humanização de todos”.


Comunicação, tecnologias interativas e educação: (re)pensar o ensinar-aprender na cultura digital

Comunicação, tecnologias interativas e educação: (re)pensar o ensinar-aprender na cultura digital

(MALAGGI; TEIXEIRA, 2019) Nesta obra, os autores apresentam reflexões acerca das relações e possibilidades existentes na tríade comunicação, cultura digital e processos educativos. Ao propor uma análise acerca do potencial da cultura digital enquanto vetor de transformação dos processos educativos, situa reflexões sobre o contexto social em que as tecnologias digitais de rede se inserem a partir de suas características comunicacionais interativas. Ao discutir o potencial de um modelo de comunicação dialógica como base dos processos educativos contemporâneos, busca aproximar as contribuições político-pedagógicas de Paulo Freire para subsidiar a criação de contextos de ensino-aprendizagem libertadores e populares no seio da cultura digital.

Exercícios

  1. Abrimos o capítulo com a seguinte questão: “Quais são as possíveis transformações dos processos educativos escolares em um contexto de inclusão digital?”. Agora, após a leitura do capítulo e considerando sua experiência, que resposta você apresenta para essa questão?
  2. De acordo com Marco Silva, a interatividade é um conceito das Teorias da Comunicação, não propriamente do dito campo da Informática. Logo, esse autor assevera: “É possível existir interatividade em uma sala de aula infopobre”, isto é, sem os recursos tecnológicos que potencializem esses processos comunicativos interativos no ciberespaço. Isso posto, propomos a realização de uma breve narrativa autobiográfica: em sua experiência como aluno(a), seja na Educação Básica ou demais níveis de ensino, recorda-se de algum(a) docente que trazia essa dimensão interativa aos processos educativos, mesmo com a ausência de tecnologias na sala de aula? Se sim, busque relacionar as formas de trabalho deste docente com as discussões elaboradas no Item 2 deste capítulo.
  3. Escolha uma das tecnologias interativas apresentadas no Item 3 e, dialogando com a sua prática docente, efetive um planejamento didático (plano de aula, sequência didática, projeto etc.) que intencione a vivência das dimensões da autoria e colaboração na cocriação de conhecimentos.

Referências

FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação?. São Paulo: Paz e Terra, 1977.

FREIRE, Paulo; FAUNDEZ, Antonio. Por uma pedagogia da pergunta. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 31. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. 16. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2009.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 50. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011.

JENKINS, Henry. Cultura da convergência. Trad. Susana Alexandria. 2. ed. São Paulo: Aleph, 2009.

LIBÂNEO, José Carlos. Democratização da escola pública: a pedagogia crítico-social dos conteúdos. 3. ed. São Paulo: Loyola, 1986.

MALAGGI, Vitor. Imbricando projetos de ensino-aprendizagem e tecnologias digitais de rede: busca de re-significações e potencialidades. 2009. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo, 2009.

MALAGGI, Vitor; TEIXEIRA, A. C. Comunicação, tecnologias interativas e educação: (re)pensar o ensinar-aprender na cultura digital. 1. ed. Curitiba: Appris, 2019.

MALAGGI, Vitor; MARCON, Karina; RIPA, Roselaine. Tecnologias digitais de rede na educação infantil: usos e potencialidades pedagógicas [livro eletrônico]. Ilustração Gabriel Dias de Oliveira. 1. ed. Florianópolis: Vitor Malaggi, 2020.

MARCON, K. A inclusão digital de educadores a distância: Estudo multicaso nas Universidades Abertas do Brasil e de Portugal. 2015. Tese (Doutorado em Educação). Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2015.

SANTAELLA, Lúcia. Navegar no ciberespaço: o perfil cognitivo do leitor imersivo. São Paulo: Paulus, 2004.

SILVA, Marco; CLARO, Tatiana; A docência online e a pedagogia da transmissão. Boletim Técnico do Senac, São Paulo, v. 33, n. 2, maio/ago. 2007. Disponível em: <http://www.bts.senac.br/index.php/bts/article/view/301/284>. Acesso em: 13 fev. 2017.

SILVA, Marco. Sala de aula interativa: educação, comunicação, mídia clássica… 5. ed. rev. São Paulo: Edições Loyola, 2010.

TEIXEIRA, Adriano Canabarro. Inclusão digital: novas perspectivas para a informática educativa. Ijuí: Editora Unijuí, 2010.

Autoria

Karina Marcon
Karina Marcon
(http://lattes.cnpq.br/5061817713945964)
Professora da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), lotada no Departamento de Pedagogia a Distância do Centro de Educação a Distância (CEAD). Credenciada em 2020 para o Mestrado Profissional em Educação Inclusiva em Rede – PROFEI, na linha Inovação Tecnológica e Tecnologia Assistiva. Doutora em Educação (2015 – Bolsista CNPq) pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Realizou Doutorado Sanduíche na Universidade Aberta, em Lisboa/Portugal (Bolsista CAPES/PDSE). Mestre em Educação (2008) e Bacharel em Comunicação Social: Habilitação em Publicidade e Propaganda (2004) pela Universidade de Passo Fundo (UPF). Licenciada em Pedagogia (2017) pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Tem experiência e interesse de pesquisa nas áreas de Inclusão Digital, Educação a Distância e Formação de Professores. É coordenadora do Laboratório de Cultura Digital (L@bCult) do CEAD/UDESC e Representante das Instituições de Ensino Superior Estaduais na Associação Universidade em Rede (UniRede).
karina.marcon@udesc.br
Vitor Malaggi
Vitor Malaggi
(http://lattes.cnpq.br/7501525801547972)
Professor efetivo do Centro de Educação a Distância da Universidade do Estado de Santa Catarina (CEAD/UDESC). Possui graduação em Ciência da Computação e Pós-Graduação em Educação (stricto sensu), ambos os cursos realizados pela Universidade de Passo Fundo (UPF), sendo o Mestrado Acadêmico como Bolsista Capes pelo Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEDU/UPF). É também graduado em Pedagogia – Licenciatura Plena EAD, pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Tem experiência profissional nas áreas de Informática na Educação, Inclusão Digital e Teorias Pedagógicas. Interesses de Ensino, Pesquisa e Extensão estão focalizados nas relações entre Educação Popular e Inclusão Digital, tanto em contextos educativos formais quanto não-formais. Também pesquisou e realizou extensão como bolsista nos seguintes temas: TV Digital na Educação (Bolsa CNPq – SET-6B), Objetos de Aprendizagem (Bolsa FAPERGS – Iniciação Científica), Telecentros Comunitários e Software Livre (Bolsa Pibic/UPF), Educação de Jovens e Adultos (Bolsa CREFAL-UPF).
vitor.malaggi@udesc.br

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