A autoria coletiva no contexto da educação em tempos de cibercultura

(Mirian Maia do Amaral, Maristela Midlej Silva de Araujo Veloso, Tatiana Stofella Sodré Rossini)

Autoria Coletiva

Como autorias coletivas, comprometidas com a produção de sentidos, podem ser potencializadas em diferentes espaçostempos de aprendizagem, em tempos de cibercultura?

As mudanças decorrentes do digital em rede têm impulsionado um significativo deslocamento da concepção de autoria. Seja na produção escrita, sonora ou imagética, o conceito de autoria individual vem sendo gradativamente substituído por uma atuação colaborativa em rede, tornando-se a obra, dessa forma, um processo potencialmente inacabado, cujo ciclo de significação é passível de ‘fechamento’ apenas pelo leitor. Nesse contexto, a facilidade de acesso à Internet e, ao que nela é produzido, aumenta, de forma expressiva, a prática da cópia, o que torna tênue a fronteira entre o que é próprio e o que é alheio. Portanto, um convite ao sujeito para entrar nos labirintos hipertextuais e exercitar e difundir sua escrita, ou, ainda, apropriar-se de produções textuais de outrem, de forma parcial ou integral, sem que seus autores sejam referenciados. Essas questões nos levam a refletir sobre práticas sociais na cibercultura, a partir da formação de sujeitos que possam atuar como agentes, atores e autores, na perspectiva de uma educação livre, autônoma e plural.

Objetivos Educacionais:

  • compreender as transformações das concepções de autor e de autoria, ao longo da história;
  • compreender conceitos considerados fundantes, como os de dialogia, alteridade e intertextualidade, compartilhamento e colaboração, presentes em processos autorais coletivos;
  • identificar os desafios e as contribuições das tecnologias digitais em rede para a pesquisa e formação de professores, em tempos de mobilidade ubíqua;
  • identificar as potencialidades das interfaces digitais aplicadas à educação e promotoras de autorias e gêneros textuais, ressaltando a importância de se buscarem práticas pedagógicas que possibilitem aos sujeitos o desenvolvimento de sua capacidade de autonomia, e criem oportunidades para que os mesmos possam ser autores de suas produções.

Índice:

1. O deslocamento da noção de autoria e a concepção de autor, ao longo da história: da Antiguidade Clássica aos dias atuais

Anteriormente ao advento da Web, para redigir um manuscrito, ou diante da máquina de escrever, necessitávamos de um tempo para organizar nossas ideias – quando não desistíamos de fazê-lo. O texto era então escrito sob a forma de rascunho e ‘passado a limpo’. Quando datilografado, sua revisão era bastante trabalhosa. Com os avanços das tecnologias digitais e suas interfaces, essa tarefa foi facilitada, pois os processadores de textos nos possibilitam uma série de ações, como: deletar, recortar, colar, localizar e substituir palavras, textos e imagens, além de podermos fazer correções ortográficas.

Da mesma forma que a água não corre sobre trilhos, mas por entre pedras, adaptando-se, transformando-se e sendo transformada na interação com outros elementos, como afirma o poeta Manoel de Barros, na obra intitulada “Matéria de poesia”, publicada em 2001, a concepção de autoria, sempre associada a noções culturais e científicas, também sofre mudanças, ao longo da história, na qual o ser humano não é mais que um vir-a-ser. Nessa perspectiva, torna-se relevante discutir questões que envolvem essa noção em seu deslocamento até os dias atuais, nas quais domínio, poder e reconhecimento são parte desse universo, multifacetado e contemporâneo, permeado de desafios à constituição de subjetividades individuais e coletivas, locais e globais, histórica e culturalmente estabelecidas.

Com efeito, as tecnologias digitais em rede, com sua plasticidade e fluidez, institui um novo modo de pensar e viver, alicerçado não apenas em modos hegemônicos de pensamento, alterando, de forma significativa, o conceito de autoria. Nesse contexto, a obra intelectual e artística perde seus contornos tradicionais, marcados pela figura de um autor reconhecido, para se tornar múltipla, fragmentada, mutante e aberta, podendo ser atualizada, a partir de novas intervenções não necessariamente planejadas.

Mas, o que é ser autor, em tempos de cibercultura, mobilidade e ubiquidade, nos quais processos autorais coletivos são cada vez mais estimulados pelo digital em rede, com base na colaboração, disseminação e compartilhamento de conhecimentos? Podemos afirmar que somos todos autores, em potência?

Mia Couto (2011) nos ensina que, para percebermos as luzes que imanam do outro, devemos apagar as nossas, tornando-nos disponíveis para esse outro; ou seja, devemos fazer de nossas vidas um rio de trocas, baseadas em relações dialógicas, responsivas e responsáveis. No entanto, autorias coletivas pressupõem decisões nem sempre fáceis de tomar, na medida em que demandam discernimento, disciplina, método, negociação de sentidos e comprometimento com resultados, entre outros.

Além disso, o trabalho coletivo traz outros desdobramentos que envolvem, por exemplo, aspectos relacionados à credibilidade, em termos de qualidade do que é veiculado na Internet, pois todos podem se expressar, sem que seja necessário ser um especialista ou apresentar credenciais de mérito. Também afeta os Direitos Autorais, dado que, atualmente, o controle da circulação de bens intelectuais na sociedade se torna mais difícil; o que amplia, sobremaneira, o debate acerca da concepção de autor e de autoria.

Quais, então, os caminhos percorridos por essas noções, ao longo do tempo, e como estudiosos – clássicos e contemporâneos, pensam essas questões? Qual o ponto de convergência de suas ideias? Afinal, o que é autoria? O que é ser autor na contemporaneidade? Essas questões são discutidas, a seguir.

No período compreendido entre a Antiguidade Clássica e o advento da imprensa não havia preocupação com o fechamento da obra, em contínuo processo de criação (ZANINI, 2013). Narrativas orais, epopeias, tragédias, entre outras produções postas em circulação, permaneciam abertas a modificações e acréscimos. Deus era a fonte da inspiração suprema das obras, seu verdadeiro autor. O escritor, o artista, era tão somente um portador da criação divina, e toda a produção intelectual era considerada uma revelação pública de um saber transcendental – jamais como uma obra de caráter privado. O anonimato não impedia que essas produções fossem valorizadas, pois sua autenticidade era garantida pelo tempo em que permaneciam em cena.

A necessidade de identificar o autor de uma obra surge, já no século XVI, numa reação da igreja católica contra discursos transgressores, considerados apócrifos e profanos, direcionados à ortodoxia religiosa e à política, devendo seus autores ser punidos (ZANINI, 2014). Isso, de certa forma, fortalece a figura do autor e a concepção de autoria como um processo centrado num indivíduo. É interessante destacarmos que, de forma similar, essa ideia de transgressão é retomada, no final do século XVIII e início do século XIX, quando a questão autoral ganha foros de direito.

A ideia de um sujeito racional e consciente, agente do conhecimento, desenvolvida por Descartes, a Reforma Protestante, iniciada no século XVI por Martinho Lutero, o Renascimento e o Iluminismo deslocam o conhecimento, trazendo o homem para o centro das discussões. A prensa tipográfica, inventada por Gutenberg, e o desenvolvimento da imprensa marcam a distinção entre autor (author – cujo nome próprio identifica e autoriza o texto) e escritor (writer – aquele que escreve algo), na medida em que a condição para ser “autor” pressupõe a circulação, entre o público, da obra impressa. Assim, a noção de autoria se fortalece, como algo individual, e a obra assume uma estrutura fechada, acabada, sem qualquer possibilidade de complementação. Da mesma forma, a prática das leituras públicas, tão a gosto da era medieval, é, paulatinamente, substituída pela leitura silenciosa e individual, deixando nítida a separação entre autor e leitor.

Com a consolidação da Modernidade, fatores sociais, políticos e econômicos acentuam a ideia de um sujeito racional, consciente. Nessa perspectiva, deslocam o conhecimento e trazem o homem para o centro das discussões, acentuando ainda mais a concepção do indivíduo como autor.

Novas mudanças político-econômicas, filosóficas, tecnológicas, jurídico-penais, literárias, estéticas e comerciais, na passagem do século XVIII para o XIX, na Europa, fazem emergir o gênero romântico, que vem fortalecer essa concepção. O autor passa a ser considerado um ‘gênio criador’, ou seja, um sujeito dotado de conhecimentos e de uma inteligência superior que, a exemplo das musas, ou de Deus, encarna a inspiração poética, sendo a originalidade, a expressão criadora e as experiências, afetiva e emocional do indivíduo, aspectos muito valorizados à época. Pela relevância de sua contribuição à sociedade, e pela singularidade de seu talento, o criador da obra deve ser financeiramente recompensado (CHARTIER, 2006). Implantam-se, dessa forma, os alicerces inspiradores das bases do direito autoral, tal como o conhecemos, na atualidade. No Brasil, em particular, a questão autoral ganha foros de direito, com a criação da Lei 9.610, de 19 de fevereiro de 1998 – Lei dos Direitos Autorais – LDA (BRASIL, 1998).

Definição de direitos autorais

Direito autoral é um conjunto de prerrogativas conferidas por lei à pessoa física ou jurídica criadora da obra intelectual, para que ela possa gozar dos benefícios morais e patrimoniais resultantes da exploração de suas criações. O direito autoral está regulamentado pela Lei de Direitos Autorais (BRASIL, 1998) e protege as relações entre o criador e quem utiliza suas criações artísticas, literárias ou científicas, tais como textos, livros, pinturas, esculturas, músicas, fotografias, etc.. Os direitos autorais são divididos, para efeitos legais, em direitos morais e patrimoniais.

Por essa Lei, os trabalhos ou as produções literárias, artísticas e/ou científicas, tais como: músicas, literatura em geral, fotografias, esculturas, pinturas, desenhos, filmes, softwares, entre outras, definidas como criação do espirito, são classificadas como obras intelectuais.

Em seu art. 11, a legislação brasileira estabelece que autor é necessariamente um ser humano; ou seja, uma pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica. No entanto, a ele é possibilitado transferir seus direitos patrimoniais a terceiros, inclusive a pessoas jurídicas, a quem é conferido os mesmos direitos patrimoniais previstos em lei para a proteção da obra, resguardados os direitos morais do autor,

Mas esses deslocamentos da noção de autoria não param por aí. Ainda, no século XIX, mudanças na forma de conceber o indivíduo alteram a noção de sujeito, quando a linguagem ganha prioridade sobre o indivíduo, como senhor de seu discurso e de suas vontades. A partir da tipografia, do rádio, da fotografia, do cinema, da possibilidade de gravar em fitas magnéticas e vinil, além de outros meios, a prática da reprodução é ampliada, de forma significativa, demarcando a diferença entre o que é original e o que é reproduzido. As técnicas de reprodução libertam a obra de arte de sua função ritualística mágico-religiosa, resultando na perda de sua aura. O critério de autenticidade não mais se aplica à produção artística, agora sob o domínio dessas novas técnicas, que deixam entrever a questão autoral e os efeitos da mediação da obra, considerando que o sujeito do discurso assume posturas adequadas a esses meios, para melhor se comunicar, como justifica Benjamin (1980), ao estabelecer a comparação entre o pintor – que se utiliza da tela e das tintas, e o cineasta, que se vale da celulose que usa na câmera.

O aumento da velocidade de difusão da informação, possibilitado pela fotografia e pelo cinema, cria novos parâmetros de armazenagem das imagens; o que implica a retomada da reprodução, pela pintura e pela literatura, como princípio de produção de discursos, no âmbito da atividade artística. Entendida como a arte de recriar uma história, ou um personagem, ou uma técnica de outro autor, a reprodução passa a ser reconhecida como um recurso formal de composição.

Práticas de Reprodução

Um exemplo clássico dessa prática, na pintura, é-nos dado por Pablo Picasso em seus estudos sobre a obra Las Meninas, de Diego Velàsquez. Trata-se de uma reprodução não considerada como cópia, mas como uma recriação, na perspectiva do autor. Mendes (2009), em seu artigo Picasso e as meninas de Velázquez, analisa essas reproduções, em relação à obra original. Na literatura, podemos citar a obra de Umberto Eco, O Nome da Rosa, na qual os personagens William de Baskerville e Adson de Melk são inspirados em Sherlock Holmes e Watson, de Conan Doyle:


O Nome da Rosa (fragmento de 3:42s)
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=UUaR9YIxpwE

Como podemos notar, a reprodutibilidade tangencia a questão autoral, na medida em que possibilita, aos indivíduos, assumirem a obra alheia como sua, desde que a mesma seja reinventada, a partir do universo de representação do autor-leitor.

Como um brechó, no qual se vende toda sorte de objetos, expostos de forma desordenada, a Cibercultura abriga um conjunto de saberes, práticas, comportamentos e modos de pensamento diversos, tudo junto e misturado. À medida que escrevemos, vamos construindo o enunciado, e o processo de revisão se dá em paralelo à elaboração do texto que, gradativamente, vai sendo modelado.

Estimulados a reconstruir nossos pensamentos, rever nossos textos, ou mixar desenhos, vídeos, sons e/ou imagens, acabamos por exercer o papel de editores. Esses conteúdos, publicados ou veiculados não pertencem à coletividade, nem podem ser usados, livre e gratuitamente, como muitas pessoas creem, dado que, o art. 7 dessa legislação estabelece a proteção das obras “expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro”, sendo inadmissível o uso indiscriminado e inadequado de obras literárias, artísticas ou científicas, seja na Internet ou em qualquer outro meio.

Nessa ótica e, considerando o art. 33 Lei de Direitos Autorais (BRASIL, 1998), que determina que “ninguém pode reproduzir obra que não pertença ao domínio público, a pretexto de anotá-la, comentá-la ou melhorá-la, sem permissão do autor”, a prática de ‘copiar’ e ‘colar’, comumente chamada de plágio acadêmico, não se constituiria um procedimento de edição que viola os direitos autorais?

De acordo com o Código Penal Brasileiro, em seu art. 184 (BRASIL, 1940), se o plágio for cometido com intenção de se obter lucro, seja de forma direta ou indireta, a pena poderá variar de dois a quatro anos, além do pagamento de multa. No entanto, não considera plágio, por exemplo, a cópia para uso privado, de pequenos trechos sem fins comerciais, bem como permite a citação de trechos de livros ou explanações feitas em palestras, cujos procedimentos para apresentação devem ser pautados nas orientações oferecidas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

Nessa perspectiva, com o digital em rede, a reprodução, mais que uma possibilidade técnica, torna-se uma condição básica da própria produção, na qual tudo é original e fonte, e o termo reprodução perde o sentido. Qualquer produção se torna passível de ser apropriada e replicada num processo contínuo de atualizações – uma produção coletiva. Como enfatizado por Lemos (2005), vivemos a cultura remix, técnica muito utilizada pelos DJ de hip hop – a cultura da participação. Mais do que simples colagem e montagem de materiais, essas práticas buscam reciclar as mídias-fontes.

A nova dinâmica técnico-social da cibercultura instaura assim, não uma novidade, mas uma radicalidade: uma estrutura midiática ímpar na história da humanidade onde, pela primeira vez, qualquer indivíduo pode, a priori, emitir e receber informação em tempo real, sob diversos formatos e modulações, para qualquer lugar do planeta e alterar, adicionar e colaborar com pedaços de informação criados por outros. Tudo comunica e tudo está em rede: pessoas, máquinas, objetos, monumentos, cidades (p. 2).
Práticas de remixagem

Essas práticas são facilmente usadas em nossos cotidianos, especialmente pela população mais jovem, como, por exemplo: as fan-fiction, que permitem que qualquer pessoa mude o rumo de suas histórias preferidas e criem cenas e diálogos diferentes da obra original, como as histórias escritas por fãs de Harry Potter; o grafite, nas artes pláticas, que possibilita que artistas interajam com o ambiente ao redor, pintando os muros públicos das cidades com spray, misturando cores, referências e diversos temas em apenas uma obra; a Wikipédia, que reúne contribuições de diversos autores no mundo todo, baseadas em livros, links e enciclopédias; e o sample, recurso musical, utilizado desde os fins dos anos 70, que permite, por meio de uma “maquininha”, gravar e reproduzir sons – com variações de tom, de um trecho repetido em loop -, de acordo com ‘o gosto do freguês’.

Com efeito, ao pensarmos a evolução histórica da concepção de autoria, constatamos que o processo autoral adquiriu, ao longo do tempo, diferentes formatos e dinâmicas; o que lhe confere um caráter mutável. Outro ponto a considerar é que, não obstante toda a discussão sobre o papel do autor, no século XX, de uma forma geral, ainda prevalece, em nossos dias, a visão moderna de autoria. Entretanto, não podemos ignorar que a cibercultura, impulsionada pela mobilidade ubíqua, estimula novas formas de comunicação e práticas de leitura e escrita, que modificam o entendimento dessa noção, a cada dia, menos individual e mais coletiva.

2. A noção de autoria na contemporaneidade

Mas, então, o que se modifica e o que permanece da concepção moderna de autor com os novos meios de comunicação e difusão?

A concepção de autor que transforma o indivíduo num ‘gênio criador’ de algo absolutamente original, expressão máxima de sua singularidade, é veementemente negada por Barthes (2004), que afirma que o ‘autor está morto’, para que um livro chegue a ser obra, é preciso passar pelo crivo do leitor. Enfatiza, dessa forma, a não existência do autor fora da linguagem, concebendo-o como um produto do ato de escrever; um imitador de um gesto ou de uma palavra anterior a ele, mas nunca original, sendo seu único poder o de ‘mesclar escritas’. Nessa ótica, na medida em que o texto é elaborado, a noção de autoria se enfraquece, e a associação de ideias toma corpo por meio da linguagem. Em outras palavras, devido ao desaparecimento das características individuais de um sujeito que inventa e escreve, o autor perde seu espaço tradicional e dá lugar ao leitor, que é quem faz circular o sentido, aquele que pode observar o plural de que o texto é feito, e ainda, adicionar seu próprio plural.

O nascimento do leitor

Na obra Se um viajante numa noite de inverno, Calvino (1999) nos brinda com uma amostra da multiplicidade potencial do que é narrável. O livro se compõe de dez fragmentos de texto e doze capítulos sobre a vida de um leitor, que lê este mesmo livro, e, logo nas primeiras páginas do romance é surpreendido com a pergunta do narrador: “Quem é você leitor?”, completando, em seguida, que seria uma indiscrição perguntar sua história, sua biografia, idade…O que lhe interessa é saber seu estado de ânimo. Começa assim o jogo entre o romance e o leitor que lhe vira as páginas. Dada a não linearidade da obra, o leitor é livre para criar seu próprio livro; escolher seu próprio percurso de leitura. Refletido em espelho nas páginas do romance, o ato de leitura toma forma de uma caçada apaixonante, labiríntica, na qual é impossível distinguir caça e caçador. A leitura toma, portanto, o formato de um hipertexto, possibilitando infinitas combinações.

Diante dessa “sentença de morte do autor”, decretada por Barthes, seria legítimo considerarmos que a instituição autoral está em crise, condenada à extinção? Nossa realidade demonstra que não. Além da vigência da lei de propriedade intelectual, no meio digital contamos, também, com alguns licenciamentos, para garantir a disseminação e reuso das produções, sem necessidade de autorização do autor ou pagamento de direitos autorais, como, por exemplo, o Creative Commons.

Licenças Creative Commons (CC)

As licenças Creative Commons (CC) são as mais utilizadas para licenciamento de diversos tipos de conteúdo aberto, pois facilitam a sua reapropriação, garantindo a propriedade intelectual e criativa do autor (copyleft). Por meio dessas licenças é possível transferir alguns de seus direitos a qualquer pessoa, sob seis diferentes níveis de permissão:

atribuição (CC BY),
Creative Commons atribuição compartilha igual (CC BY-SA),
Creative Commons atribuição sem derivados (CC BY-ND),
Creative Commons atribuição não comercial (CC BY-NC),
Creative Commons atribuição não comercial compartilha igual (CC BY-NC-AS),
Creative Commons atribuição não comercial sem derivados (CC BY-NC-ND).

É nesse contexto de transformação do conceito de autoria, marcado pelo emaranhado formado por essa teia de conexões aberta a diferentes contribuições, e não limitada por uma assinatura individual, que devemos ler a insurreição de Barthes (idem), ao decretar a “morte do autor”, No entanto, para Foucault (2002), os autores, como pessoas e autoridades, são acessórios; o que importa são os “modos de circulação, de valorização, de atribuição, de apropriação dos discursos”, que “variam em cada cultura e se modificam no interior de cada uma” (p. 68-9). Sem negar a existência do autor, Foucault (idem) o descreve como o indivíduo que articula, organiza e controla discursos; e, ao fazê-lo, dispõe de recursos, exercendo a função de colocar em prática o princípio de autoria em sua cultura.

O discurso é, portanto, uma prática social, que só pode ser compreendido, quando se leva em conta as relações que mantém com outros que circulam em nossa cultura. Desse modo, em todos os setores das atividades humanas, o emprego da língua por seus falantes se efetua por meio de enunciados que se entrelaçam, denominados gêneros dos discursos. Esses enunciados objetivam informar, convencer, seduzir, entreter, sugerir, entre outras ações.

Essa característica da função enunciativa o aproxima das ideias de Bakhtin (2011), para quem o texto é uma unidade de manifestação do pensamento, da emoção, do sentido e do significado, sendo a interação verbal e seu caráter dialógico e polifônico, o eixo norteador de toda sua obra. Para o autor, a língua é vista como um fenômeno social, em evolução, devido às constantes interações verbais entre os interlocutores. Desse modo, qualquer enunciado está sempre em busca de uma resposta – de uma atitude responsiva do outro, que serve de base para a criação de novos enunciados e textos. A par das diferenças entre Foucault (2011) e Bakhtin, podemos perceber um ponto comum entre suas ideias: o sujeito só é possível enquanto ser, no discurso ou na linguagem; o que se alinha ao pensamento de Barthes, quando afirma que o sujeito só é possível no âmbito da própria enunciação.

Na medida em que Foucault (2011) entende a autoria como uma função não atrelada ao nome de um autor, que se concretiza por meio de um conjunto de operações específicas e complexas, podendo se referir a vários “eus”, simultaneamente, imagina que sua circulação e recepção se façam no anonimato do murmúrio. Diante dessa possibilidade apresentada pelo autor (sugestiva de um resgate das práticas autorais vigentes em outros tempos e em outros meios), a autoria colaborativa, a obra inacabada, o eventual anonimato seriam aplicáveis ao autor que tem o texto eletrônico como suporte? As mudanças em curso, impulsionadas pelo meio digital, estariam reavivando antigas práticas de criação intelectual, além de discursos e conceitos menos individualistas e proprietários? Ousamos afirmar que sim, e aproximar a noção de autoria às questões contemporâneas que surgem a partir do desenvolvimento das tecnologias digitais e a emersão do hipertexto, direcionando seus holofotes para a natureza interativa, fragmentária, colaborativa, aberta e coletiva das criações intelectuais e artísticas.

Da mesma maneira que, nos manuscritos medievais, o processo de criação se realizava mediante junção de diferentes textos acrescidos de comentários, a navegação hipertextual constitui uma prática conjunta de leituras, recortes, colagens, cópias e acréscimos, potencializados pelo digital em rede. O autor contemporâneo assume, desta forma, um caráter multifacetado, ao disponibilizar e fazer circular informações, no meio digital, tornando tênue a fronteira entre o criador e o público. Silva (2012) argumenta que o espaço cibercultural eleva, de forma significativa, as possibilidades de autorias individuais e coletivas, por meio de dispositivos e artefatos culturais que privilegiam o diálogo, a colaboração e a interatividade.

Como frisa Maffesoli (2006, apud PRIMO, 2008), o sujeito pós-moderno identifica-se com o coletivo e com a possibilidade de colaboração e compartilhamento de saberes. Nesse contexto, ocorre o fracionamento do papel do autor, o enfraquecimento da autoria individual e o aumento de práticas pedagógicas inovadoras, com o surgimento de sistemas computacionais de autoria coletiva e de projetos que incorporam o uso de blogs, wikis e redes sociais, favorecendo a interatividade e a integração de funcionalidades e conteúdos.

Com efeito, em nossos dias, a categoria de autor foi implodida: agora, a interação é quem agrega esses estilhaços e possibilita que autorias coletivas emerjam, marcadas por vozes que se sustentam em outras vozes para criarem novos sentidos. Dessa forma, desenham uma cartografia de fragmentos de discursos, de excertos de formulações e retalhos de relatos, sem início, meio e fim. Nessa ambiência, dividir é necessariamente multiplicar; é apropriar-se de um olhar múltiplo sobre a cultura de criação e compartilhamento – termo que congrega conteúdos, ideias e valores morais, éticos e ideológicos, gerando novos protagonistas, percursos e linguagens.

Diante dessa diversidade de práticas e interpretações relacionadas à questão da autoria, assumimos, como autoral,

toda criação intelectual, expressão do pensamento, que se manifesta na obra, seja por meio de um texto escrito (palavra), imagens e formas, escrita cênica, performance, entre outros, a partir da realidade sócio-histórica em que nos inserimos. O sujeito deixa-se atravessar pelas diversas vozes que ecoam na cultura em que se insere, sem que se perca em meio a elas; lança um novo olhar sobre seu constructo, de forma responsável e responsiva, num processo de recriação, atualizando-o (AMARAL, 2014, p.72).

Nessa perspectiva, atribui, assim, a cada uma dessas vozes o que lhes cabe por direito, enquanto legado cultural, consciente de que nenhuma delas é absoluta, criando seu próprio espaço do dizer.

Ainda sobre autoria

Vejam o que diz o escritor e professor, Antonio Miranda, sobre autoria coletiva.

Fonte: https://youtu.be/y8RXgo4CkH0

3. Autoria Coletiva e Educação

No digital em rede, o ambiente colaborativo é o ponto de partida para troca e o compartilhamento de conhecimentos e experiências, no qual todos têm a liberdade para divulgar seus textos e produções. Esses movimentos têm reflexos diretos na educação, na medida em que os estudantes não veêm mais tanto sentido em se submeterem a processos de aprendizagem rígidos, homogeneizadores ou autoritários; o que exige uma nova forma de atuação das instituições de ensino.

Pretto (2010, p. 1) defende a cultura hacker e o ‘jeito hacker’ de ser professor, como estratégias para uma educação libertadora, enfatizando a necessidade de que os docentes adotem uma atitude mais crítica e ativista, capaz de planejar e oferecer uma educação plural, sintonizada com as diferenças:

[…] a ética hacker tem a ver com compartilhamento, acessibilidade e descentralização. Os hackers querem tomar as máquinas para melhorar o mundo. Assim, o computador deveria ser introduzido nas escolas, não como mera ferramenta, ou como máquinas aprisionadas em um laboratório, mas de um modo que permitissem a colaboração, num processo de resgate do papel de ativista do professor.

Desse modo, todos podem ser autores e coautores de suas produções, com possibilidades de compartilhamento na rede. No âmbito da educação, é possível que “[…] cada um de nós, cada professor e cada menino não seja apenas um ator desse processo, mas seja autor. Isso significa recuperar a perspectiva artesã do trabalho do professor” (PRETTO, 2006).

Concordamos com Bonilla, Pretto e Almada (2011, p. 207), quando consideram que:

[…] as instituições de ensino, em todos os níveis, não podem ficar à margem desse processo, apenas como meros consumidores de informação. A criação de bens culturais como fotografias, vídeos, programas de rádio, entre outros, abre um importante caminho para a ampliação do universo da sala de aula, estimulando alunos e professores a produzirem esses bens culturais articulados com seu contexto cultural, disponibilizando-os de forma livre, aberta e sem necessidade de controle de intermediários para possibilitar a apropriação coletiva e remixação desses materiais […].
Estimulando autorias coletivas

Várias ações vêm sendo desenvolvidas nas instituições educacionais de nível superior, a exemplo do Sistema RIPE -– Rede de Intercâmbio de Produção Educativa, uma plataforma Web, criada pelo Grupo de Pesquisa Educação, Comunicação e Tecnologias (GEC) em parceria com o Laboratório de Aplicações de Vídeo Digital (LAVID), financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB), que agrega e gerencia produções audiovisuais oriundas das escolas, dos próprios alunos e de toda comunidade. A ideia do RIPE não é que o professor produza e socialize uma versão final de um vídeo, pois, com os processos colaborativos em rede, todos podem contribuir com todos, tomando como base a filosofia hacker (HIMANEN, 2001) e, mediante compartilhamento, buscar melhores soluções, sempre coletivamente. Ao convidar o interagente a disponibilizar, por meio de licenças livres, alguns trechos de suas gravações, ou mesmo vídeos filmados aligeiradamente, sem nenhuma edição inicial, o RIPE oferece e fomenta a possibilidade de que outras pessoas, em diferentes lugares e tempos, possam se apropriar desses conteúdos, para ressignificá-los, usando a lógica de produção de produção, ponto a ponto (o computador de cada usuário conectado acaba por realizar funções de servidor e de cliente, ao mesmo tempo) e de remixagem. O que mais importa é criar novos produtos culturais e científicos, de modo a contribuir para a autoria de professores e alunos.

Nessa direção, Pretto (2011, p.113) afirma:

[…] as ideias de produção colaborativa podem ir mais além, incorporando a ideia de uma produção peer-to-peer para os materiais educacionais, consubstanciando um ciclo virtuoso de produção, remixagem e uso que podem trazer novos elementos fundantes dos processos educacionais. ([…]) Essa produção descentralizada e fortalecida pela atuação autoral de professores e estudantes nas escolas, dialogaria de forma intensa com os conhecimentos e as culturas instituídas.

Na atualidade, embora as criações digitais ainda tragam a assinatura do autor, a Internet permite que qualquer usuário se coloque nessa posição, disponibilize e compartilhe suas produções com outros usuários, use e remix informações, exercitando algo similar ao que Lévy (1999) nomeou ‘inteligência coletiva’, referindo-se ao processo sinérgico que ocorre entre diferentes imaginações e competências intelectuais que se instituem em redes abertas interativas. Nessa perspectiva, verifica-se a diluição da autoria, mediante o rearranjo e modificação de alguns elementos para criação de um novo conteúdo, que retira o produto de seu contexto original, dando-lhe novo sentido e, portanto, uma nova autoria.

No entanto, quando tomamos como referência os cotidianos escolares, verificamos que, ao centralizar as estratégias de aprendizagem na transmissão, memorização e na repetição de conteúdos, o processo educacional tem negado, ao aluno, o direito à livre expressão, à criação e ao exercício autoral. Daí a necessidade de superarmos a ideia de uma educação associada à produção em série, e pensarmos na possibilidade de docentes e discentes se assumirem como atores e autores desse processo, promovendo, de forma efetiva, novos aprendizados e novas produções.

Calvin e seu conhecimento sobre presidentes
Calvin e seu conhecimento sobre presidentes
Fonte: Geekness. Acesso em 06.11.2018.

Nesse sentido, torna-se necessário pensar o desenvolvimento de sistemas computacionais voltados para a educação; o que demanda, sem desconsiderar os documentos oficiais e as demandas de formação necessárias para atuação dos sujeitos na sociedade, criar suas próprias estratégias e dispositivos, adaptando-os a sua realidade.

Em ambientes informatizados, portanto, a autoria se concretiza em função da operatividade reflexiva que ocorre num certo domínio coletivo de ações e compartilhamentos, constituindo-se num diferencial nas diversas redes que se formam. Nessa relação, todos os produtos científicos e culturais, como livros, software de simulação, jornais, filmes, vídeos, entre tantos outros disponíveis, dentrofora[1] da escola, constituem dispositivos a serem explorados nos processos formativos.

A contemporaneidade nos convoca, portanto, a repensar a formação para a docência, presencial e online, e a intervenção didático-pedagógica na prática escolar, em todos os níveis, dado que professores e alunos assumem o papel de parceiros na tessitura do conhecimento em rede; processo que demanda colaboração e mediação entre os sujeitos participantes, e potencializa processos autorais.

É nesse ponto que ressaltamos a o papel relevante do desenvolvimento de sistemas computacionais para a educação, dado que a aprendizagem assume, cada vez mais, uma dimensão coletiva, na qual processo de interação com o outro se intensifica. Assim, é a partir do conceito de zona de desenvolvimento proximal (ZDP) proposto por Vygotsky (1984) que os sistemas computacionais se baseiam para dar suporte ao processo de aprendizagem em um ambiente virtual.

Zona de desenvolvimento proximal (ZDP)

Trata-se da distância entre o nível de desenvolvimento atual de um indivíduo, determinado pela capacidade de resolver um problema sem ajuda, e a gama de possibilidades de fazê-lo sob a orientação de um adulto ou em colaboração com outra pessoa (VYGOTSKY, 1984).

Como, podemos, então, contribuir com e para o desenvolvimento de sistemas computacionais voltados para a educação, e com e para a formação de docentes capazes de transitar em diferentes espaçostempos, compreendendo, interpretando e formulando novas respostas, mediante posicionamentos alinhados a discursos produzidos e difundidos na sociedade?

Nos últimos tempos, tem sido crescente a quantidade de iniciativas e apresentação de propostas de solução com vistas à transformação de nosso modelo educacional, projetos e referências, além da promoção de inúmeros eventos com apresentação de resultados de pesquisas e palestras, mesas redondas e conferências com profissionais que estão inovando em suas áreas de trabalho.

Eventos sobre Educação

Entre os diversos eventos voltados para discutir a Educação em nosso tempo, podemos citar: a 38ª Reunião Nacional da ANPEd – Associação Nacional de Programas de Pós-graduação em Educação, realizada no período de 1 a 5 de outubro de 2017, na Universidade Federal do Maranhão (UFMA), em São Luís, com o tema Democracia em risco: a pesquisa e a pós-graduação em contexto de resistência”; o II e-DOC – Encontro Docência e Cibercultura, no dia 06 de novembro de 2017, promovido pelo Grupo de Pesquisa Docência e Cibercultura – GPDOC/UERJ, que pesquisa e desenvolve estudos e projetos sobre a docência na contemporaneidade e as práticas e processos da Cibercultura, em especial a Educação Online, sendo seu principal engajamento a formação de pesquisadores e docentes; e o X Simpósio Nacional ABCiber (Associação Brasileira de Pesquisadores em Cibercultura), de 14 a 16 de dezembro de 2017, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), sobre o tema Cibercultura, Democracia e Liberdade no Brasil.

CINECLUBE: A rede social
A Rede Social Disponível no YouTube
Em uma noite de outono em 2003, Mark Zuckerberg (Jesse Eisenberg), analista de sistemas graduado em Harvard, senta-se à frente de seu computador e começa a trabalhar uma nova ideia. Apenas seis anos e 500 milhões de amigos mais tarde, Zuckerberg se torna o mais jovem bilionário da história, com o sucesso da rede social Facebook. Isso, no entanto, acarreta uma série de complicações em sua vida social e profissional.

Para melhor compreensão do tema, da trama, da linguagem e do lugar do filme no contexto da história do cinema, em nível nacional e mundial, vocês devem se organizar em grupos para conversarem sobre: a experiência vivenciada, considerando a forma como o filme os tocou e os pontos que gostariam de destacar, bem como aspectos relacionados ao elenco.

DEBATE: A rede social

Como discutimos, anteriormente, ao mesmo tempo em que o digital em rede facilita o acesso dos indivíduos à informação, torna tênue a fronteira entre o que é próprio e o que é alheio, possibilitando-lhes entrar nos labirintos hipertextuais e exercitar e difundir sua escrita, ou, ainda, apropriar-se de produções textuais de outrem, de forma parcial ou integral, sem que seus autores sejam referenciados.

O filme “A rede social” apresenta dois grandes paradoxos da Internet: a propriedade intelectual e o direito de autoria, questões bastante atuais. Vamos pensar juntos:

a) Em que momento Mark teve a ideia de iniciar seu próprio negócio?
b) Mark teria se apropriado, indevidamente, da ideia dos irmãos ‘Winklevoss’, ou fez um benchmarking (processo pelo qual uma empresa toma outra empresa como referência, para a partir de uma avaliação comparativa, descobrir onde pode melhorar os seus produtos, serviços ou práticas)?
c) Expresse sua opinião quanto à criação do Facebook, como um negócio e como um produto.
d) Como você articularia essa problemática à questão da autoria coletiva em rede?

4. Processos autorais coletivos na cibercultura: a liberdade de criação, colaboração e coautoria

Evolução
A evolução da comunicação? ou A involução da comunicação
Fonte: Sistemas Colaborativos (PIMENTEL; FUKS, 2011)

A relação entre o homem e a máquina vem se estreitando, nos últimos anos: primeiro os mainframes; depois, os desktops e, agora, os computadores se tornam imperceptíveis nas agendas, óculos, roupas e utensílios domésticos, entre outros. A capacidade de processamento de informação se torna mais veloz e integrada; surgem produtos com habilidades de inteligência; objetos, anteriormente estáticos, ganham dinamicidade; e humanos em espaçostempos diversos se conectam com os não humanos e às redes de comunicação, de forma simbiótica, instaurando novos modos de pensarmos e nos relacionarmos. Dessa forma, não podemos dissociar a inteligência humana da inteligência artificial, dado que computadores e programas que os fazem funcionar estendem, cada vez mais intensamente, nossas capacidades mentais (SANTAELLA, 2016).

Possibilitados pelas tecnologias digitais emergentes no contexto da cibercultura e da Web 2.0, surgem, a cada dia, mídias sociais que permitem a interatividade, potencializando diferentes modalidades de produção e organização textual colaborativa (autorias coletivas), sem a dependência de especialistas em informática, ou linguagem de programação (SILVA, 2010a); ou seja, permitem a interação mútua entre os interagentes, afirmam Primo e Recuero (2003), para quem, nesses espaços de leitura e escrita, há a possibilidade de intervir no conteúdo, sugerindo novos links e abrindo novos caminhos possíveis. Assim, a autoria acontece não apenas no que refere à leitura ou escolha entre alternativas pré-configuradas, mas na própria redação hipertextual, com a entrada não somente da linguagem verbal, mas de animações, vídeos e músicas; ou seja, dos recursos multimídia. No entanto, essa interação a que se referem os autores, e que acontece nos meios de conversação online, quando usadas no contexto educacional, nem sempre promovem a interatividade e a colaboração, alertam Santos, E. (2005) e Silva (2010b).

A ideia de autoria é melhor compreendida quando mergulhamos num mundo permeado de relações dialógicas, no qual o sujeito, por meio da linguagem, vai se constituindo ao se relacionar com o outro (alteridade), ponto-chave para construção de seu ‘eu’. Bakhtin (2011) afirma que a palavra representa o território comum desses atores, e serve de expressão de um em relação ao outro, bem como em relação à coletividade. Nesse contexto, a língua como um fenômeno social em constante evolução, assume, em decorrência das interações verbais dos interlocutores, um caráter mutável, histórico e polissêmico, não podendo, em seu uso prático, ser compreendida e explicada fora desse vínculo. Assim, na interação por meio da linguagem, todos participam em condição de igualdade. Aquele que enuncia, seleciona palavras apropriadas para formular uma mensagem que possa ser compreendida pelos destinatários que, por sua vez, interpretam e respondem com postura ativa aquele enunciado, internamente (por meio de seus pensamentos) ou externamente (por meio de um novo enunciado oral ou escrito). Essa compreensão responsiva, defendida pelo autor, implica posicionar-se, fornecer uma resposta à resposta situada no contexto do movimento interlocutivo.

Mas como levar os alunos a transitarem da autoria centrada no discurso individual para a autoria coletiva, tendo em vista o desenvolvimento de processos colaborativos, dialógicos e interativos

A partir da concepção de aprendizagem significativa[2], conhecimentos vão sendo tecidos de forma coletiva pelos indivíduos, em permanente interação com os diferentes espaçostempos que habitam, com os objetos e com as pessoas que convivem, formando uma rede de significações e sentidos, que amplia os limites individuais, resultando novas formas de agir e pensar de todos os participantes dessa experiência. Assim, “[…] podemos lançar mão da comunicação mediada por interfaces digitais que potencializem os processos de formação como possibilidade concreta de ensaiar autorias variadas, sejam estas individuais ou colaborativas”, enfatiza Santos, E. (2006, p. 131), e integrar várias linguagens (textos, sons, imagens), estáticas e dinâmicas.

Dado que, conscientemente ou não, nossa voz é mais uma entre as múltiplas vozes com que tecemos nossos conhecimentos; ou seja, um texto é constituído por outros textos e um autor nasce de outros autores, as citações, diretas ou indiretas, apresentadas em nossas produções, além de conferirem aos autores uma carga de reputação, estabelecem com eles uma relação dialógica.

Sem dúvida, o tema da dialogicidade é dominante nas reflexões bakhtinianas, em que todo discurso humano constitui uma rede complexa de inter-relações dialógicas com outros enunciados habitados por diferentes vozes, provenientes de diversos falantes e de variados contextos. Desse modo, o enunciado, que emerge nas relações dialógicas possibilita estabelecer a distinção entre ‘interdiscurso’ – qualquer relação dialógica entre enunciados, e ‘intertexto’ – um tipo particular de interdiscursividade, no qual se encontram num texto duas materialidades textuais distintas; ou seja, um texto em sentido stricto, ou um conjunto de fatos linguísticos, que configura um estilo, uma variante linguística, um jargão, entre outros (FIORIN, 2003).

O autor destaca, ainda, que, dada à possibilidade da inscrição de um texto em outro ocorrer de maneiras diversas, a intertextualidade pode se apresentar sob as formas de: (a) citação direta, (textual), ou por meio de paráfrases; (b) alusão, na qual um texto remete a outro texto anterior sem, contudo, valer-se de partes daquele texto. e (c) estilização, em que se reproduz o conjunto de procedimentos do ‘discurso do outro’, sendo permitido manter seu sentido, ou confrontar-se com ele. Fávero (2003) complementa essa relação, citando as paródias que permitem reconhecer explicitamente a semelhança com aquilo que negam; a palavra tem um duplo sentido, voltando-se para o discurso de um outro e para o objeto do discurso como palavra” (p.53).

Com efeito, na tessitura de nossos conhecimentos, vivenciamos o dialogismo do discurso científico, quer na interação com nossos pares, com os diferentes teóricos estudiosos dos temas de nosso interesse ou, ainda, na prática da pesquisa científica. Assim, na pesquisa com os cotidianos, o pesquisador transforma e se transforma no processo investigativo, na relação com seu objeto de pesquisa e com o Outro; o que, em última análise, constitui um ato de compromisso. Além da interação com o outro, a rede permite o acesso a tudo que é publicado, seja por meio de notebooks, tablets, smartfones, celulares, e/ou ambientes virtuais que dão suporte a esses conteúdos, bem como seu compartilhamento. No entanto, Keen (2009) critica, veementemente, a qualidade dos conteúdos que circulam nas redes, e alerta para a desvalorização do trabalho especializado de profissionais. Argumenta que está havendo uma substituição de diferentes profissionais pelo amador que, por ter acesso a espaços gratuitos e abertos, como a blogosfera, acaba disponibilizando qualquer conteúdo, pois está livre de restrições éticas e de conselhos editoriais.

Nosso posicionamento a esse respeito é o de que profissionais da informação, estudiosos e especialistas não são substituíveis pelas autorias de ‘amadores’. Há uma coexistência pacífica e, muitas vezes, colaborativa entre eles. Na cibercultura, portanto, há espaço para informação especializada e não especializada, o que a torna uma arena de manifestações, ideias, interesses e mobilizações.

Sob essa perspectiva, retomamos a questão disparadora dessa seção: do homem habilidoso, capaz de criar e usar ferramentas diversas, até o homem contemporâneo, digital – estamos evoluindo, ou involuindo em nossos processos comunicacionais?

Entendemos que não se trata de evolução, ou involução. Trata-se de MUDAR, seguir o fluxo, e nos adaptarmos, conscientes de que vivemos tempos de mudanças, de imprevisibilidades, nos quais os acontecimentos nos atravessam sem nos pedir licença. Por isso, como afirma Morin (1996), precisamos reunir o máximo de certezas para o enfrentamento das incertezas.

Apesar de reconhecermos, nas críticas de Kenn (idem) que, de fato estão envolvidas questões financeiras ligadas a empresas e direitos do autor, entendemos que esses espaços podem e devem ser apropriados cada vez mais pelo cidadão comum, seja para apenas relatar fatos do cotidiano, ou para se posicionar diante de situações problemáticas que emergem na sociedade.

Um caso brasileiro conhecido de ativismo na rede foi o de Isadora Faber, uma estudante de 13 anos da Escola Municipal Maria Tomázia Coelho, localizada na Praia Santinho, em Florianópolis, Santa Catarina. Com a criação de uma página no Facebook, intitulada Diário de Classe, a verdade…, ela passa a denunciar “[…] os problemas (da escola) e as soluções, fotos da merenda que os nutricionistas indicam, o que acontece nas aulas. Na verdade, é bem um diário, só que eu escrevo sobre minha escola”, afirma Isadora.

A repercussão nas diversas mídias, jornais, revistas, canais de televisão e, em várias páginas na Internet, contribuiu para que os problemas da escola fossem solucionados; entre eles, os relacionados à infraestrutura e à falta de professores. A ampla divulgação da página de Isadora fez com que estudantes de escolas públicas de todo o Brasil organizassem manifestações, nas redes sociais, com a intenção de enviarem mensagens para o gabinete do então ministro da Educação, Aloizio Mercadante, e para as Secretarias Municipais e Estaduais de Educação, denunciando os problemas de suas respectivas instituições. Inúmeras páginas foram criadas, com denúncias de escolas e de universidades de todos os Estados brasileiros e do Distrito Federal.

O exemplo de Isadora passou a ser referência para outros perfis semelhantes e, em fevereiro de 2013, conforme publicado no G1 de Santa Catarina, a adolescente entrou para a lista do jornal inglês Financial Times, entre os 25 brasileiros de destaque. Narrativas como essas não são apenas fatos da vida pessoal, mas comentários e análises críticas de uma realidade, tendo em vista maior mobilização política.

Lemos e Lévy (2010, p. 83) afirmam que:

A evolução contemporânea da liberdade de expressão no ciberespaço, assim como a explosão quantitativa e qualitativa da Web e de suas diversas ferramentas interativas, participativas e colaborativas parece caminhar para uma situação onde todas as instituições, empresas, grupos, equipes e indivíduos tornar-se-ão sua própria mídia e animarão a comunidade virtual que corresponde à sua zona de influência social.

Ainda em relação à possibilidade de os indivíduos disseminarem, refletirem e acrescentarem, de forma planetária, diversos tipos de informação, citamos o projeto Uma Casa Portuguesa com Certeza, que ilustra bem a prática colaborativa na tessitura do conhecimento em rede, com o uso do Instagram. Promovido pela Fundação Nacional de Artes – Funarte e concebido, em 2013, especialmente para o Ano do Brasil em Portugal, constitui uma homenagem de brasileiros e portugueses a Portugal. Essa iniciativa teve como proposta produzir correspondências visuais entre fotógrafos amadores e profissionais brasileiros e portugueses sobre o tema da ‘casa portuguesa’, bastando ser apenas usuário do aplicativo. Foram convidadas pessoas residentes no Brasil e em Portugal para construírem uma obra aberta, na qual a ‘casa portuguesa’ deveria ser representada, a partir da percepção e/ou da reflexão sobre como esta seria no imaginário de portugueses e brasileiros. Como explica Antonio Grassi, presidente da Funarte, no texto que foi disponibilizado no local da exposição que aconteceu na Fundação Nacional de Artes (FUNARTE), no Rio de Janeiro, no período de 15/05 a 28/06/2013.

Uma Casa Portuguesa com Certeza

É uma obra aberta sobre a multiplicidade do olhar contemporâneo; um caleidoscópio produzido pela percepção e ferramentas disponibilizadas pela tecnologia digital, no imenso campo da fotografia, hoje. Ao lançarem mão da ferramenta Instagram, fotógrafos profissionais e amadores do Brasil e de Portugal demonstraram a diversidade de seus olhares por meio de imagens enviadas digitalmente. Dessa forma, dialogam e se confrontam para revelar as múltiplas formas de interpretar, com a máxima liberdade, o tema Casa Portuguesa, que sempre nos aproximou e permitiu compreender e habitar uma história.

O resultado foi a postagem de mais de seis mil imagens emblemáticas da casa portuguesa, nos dois países, que “formam uma teia de sentimentos e de representações imaginárias que nos remetem à raiz da cultura luso-brasileira”, segundo seus curadores Iatã Cannabrava e Milton Guran, em uma fala anexada às fotografias no local da exposição.

Uma amostra do que foi a exposição pode ser vista na imagem, a seguir, na qual a gastronomia, a vida íntima, o esporte, as formas de lazer, a arquitetura; enfim, a cultura local formou uma grande tela.

Foto da exposição Uma Casa Portuguesa com Certeza
Foto da exposição Uma Casa Portuguesa com Certeza
Fonte: https://i.pinimg.com/originals/fe/95/a2/ fe95a22752d0 acd36644c f03047abaf8jpg

Os exemplos citados confirmam as potencialidades de criação a partir da Web 2.0 e das tecnologias móveis. Assim, podemos dizer que, com a mobilidade, temos o desaparecimento das amarras que até agora bloqueavam os fluxos dos signos e das trocas de informação que saem do confinamento de lugares fixos e produzem, segundo Santaella (2007, p. 25), “[…] transmutações na estrutura da nossa concepção cotidiana do tempo, do espaço, dos modos de viver, aprender, agir, engajar-se, sentir”, para desenvolver autorias.

Além dos relatos de uso dos ambientes, como o Facebook e o Instagram, com vistas a criações autorais coletivas e ativismo em rede, práticas pedagógicas e pesquisas vêm sendo desenvolvidas mediante o uso de wikis e de blogs para diferentes finalidades, como no caso apresentado a seguir, que se refere à dissertação de mestrado publicada em 2006, de autoria de Adriane Halmann, intitulada Reflexões entre professores em blogs: aspectos e possibilidade.

Trata-se de um exemplo de apropriação do blog, como diário online, pelos professores no processo de reflexão sobre práticas pedagógicas, com articulações, e relacionamentos com outros blogs. A autora alerta para o fato de o diário na Web não ser mera transposição do diário do papel, pois apresenta diferentes possibilidades diante das múltiplas linguagens da Internet. Além disso, em sendo um diferente do outro, suas especificidades precisam ser analisadas para se estruturar melhor uma proposta. Através de observação-participante, entrevistas e bate-papos em espaços da Web e da análise dos blogs, a pesquisadora concluiu que, nesses espaços, os sujeitos compartilham suas experiências e seus dilemas, buscam soluções conjuntas para problemas comuns, socializam links interessantes, aprendem com seus pares formando redes rumo à aprendizagem cooperativa e à inteligência coletiva. Aspectos como autoria, visibilidade, valorização, colaboração, implicação e aceitação do grupo, além da constatação de que o docente-pesquisador é um sujeito em constante estado de formação, foram alguns dos princípios mencionados, nesse trabalho, como fundamentais nessa nova maneira de se pensar e fazer educação.

ATIVIDADE: escrita coletiva

Apresentamos, a seguir, uma atividade de um curso de formação de professores, o Midias na Educação, ofertado por um dos Núcleos de Tecnologia Educacional do município de Itabuna na Bahia, no qual foi proposta a elaboração de uma escrita colaborativa, por meio de Wiki[3]. Proponha uma atividade de escrita coletiva a seus alunos ou colegas. Antes, aproveite o relato da experiência para uma discussão com eles sobre esse processo.

O desafio proposto aos cursistas consistiu em produzir um texto coletivo, na interface ‘Wiki’ do Moodle, com o objetivo de exercitar a coautoria, o poder de criação que existe em cada um.

A produção desse texto coletivo se originou a partir de um tema sugerido anteriormente, como forma de orientação para a organização das ideias. Assim, sete páginas de texto foram escritas por 25 sujeitos, durante duas semanas, mas em espaços e tempos distintos. Como vantagens, foi relatado que essa atividade permitiu a interação entre os sujeitos, além do compartilhamento de ideias, contribuindo para a construção colaborativa de conteúdo.

No entanto, algumas dificuldades apareceram no processo de elaboração do texto. A construção aconteceu entre os coautores, sob um clima de receio de intervir nos escritos do outro, de desorganizar a ordem estabelecida pelos colegas, além do temor de expor suas próprias ideias, pois sabiam que elas corriam o risco de ser modificadas ou apagadas.

Essa ‘constatação’ pode sinalizar que os sujeitos não imergiram plenamente na lógica das ferramentas que convidam a uma interlocução coletiva, na qual todos podem – e devem – modificar o texto de todos (ALVES; JAPIASSU; HETKOWSKI, 2003). Além disso, as formadoras observaram que os sujeitos não responderam aos propósitos da temática em questão, visto que, à proporção que o texto avançava, maior parte dos parágrafos construídos por eles eram fragmentados, formando uma ‘colcha de retalhos’, registro de ideias não concatenadas. Cada um escrevia seu pedacinho sem levar em consideração o parágrafo anterior já escrito por um de seus colegas. Havia uma preocupação muito grande de deixar seu nome registrado, o que entrecortava todo o texto. Diante da situação, as formadoras fizeram uma intervenção no sentido de discutir acerca da tessitura coletiva do texto, enfatizando a importância da colaboração. De forma complementar, foi sugerido que, anteriormente à fase de criação do texto, houvesse uma discussão, no fórum, para a troca de experiências, socialização de saberes e enriquecimento das ideias; o que possibilitou o desenvolvimento de processos dialógicos, colaborativos e interativos, contribuindo, desse modo, para ampliar a responsabilidade individual e para a formação de uma ‘inteligência coletiva’ (Lévy, 1999), ao agregar elementos e pontos de vista variados à determinada temática.

Com efeito, no deslocamento do modelo de comunicação ‘um-todos’, próprio das mídias de massa, para o modelo ‘todos-todos’, estimulamos os estudantes a não apenas consumirem informações, mas a se tornarem coautores dessas produções. Ao nos apropriarmos de tecnologias que permitem ‘mexer na obra’ (como é o caso das wikis), derrubamos as fronteiras entre autor/leitor/emissor/receptor, ressalta Silva (2010a), uma vez que a hibridação traz a ideia de fusão, de intervenção na mensagem do outro, de cocriação.

5. Práticas pedagógicas promotoras de autorias em ambientes online

Grandes Poderes
Grandes Poderes
Fonte: Humor político <https://www.humorpolitico.com.br/amarildo/grandes-poderes>

Você já parou para pensar o que seria viver sem as tecnologias digitais? Não possuir pelo menos um celular para se conectar ao mundo? Como falar com os amigos? Como eles iriam me encontrar? E se alguém tiver urgência em me falar? Como lidar com cartões de débito e crédito, smart cards em ônibus, máquinas bancárias e, mais recentemente fake news?? A insegurança é total.

Com a evolução das tecnologias digitais conectadas em rede, práticas culturais vêm sendo reconfiguradas devido à intensificação da participação e colaboração dos usuários no ciberespaço. As informações que antes eram somente consumidas, passaram a ser compartilhadas, customizadas e reusadas. A Web passa a ser uma plataforma para oferecer serviços, como os software de redes sociais (ex.: YouTube, Facebook e Twitter) e de autorias coletivas (ex.: blogs, wikis, Google Drive). Essa mudança de paradigma é chamada de Web 2.0.

A Web 2.0 é uma das consequências do movimento do software livre, iniciado na década de 1980, com a criação da licença GNU (General Public Licence) para subsidiar a construção de um sistema operacional em que os programadores pudessem trabalhar no código fonte livremente sem torná-lo proprietário. A abertura de códigos de programação tem propiciado a construção colaborativa horizontal e o aperfeiçoamento constante de programas/aplicativos/serviços, de acordo com interesses e necessidades dos usuários. Nessa perspectiva, serviços e conteúdos deixam de ser armazenados em discos rígidos locais de artefatos tecnológicos e manipulados somente com conhecimento em programação, tornando-se públicos; ou seja, disponibilizados em bancos de dados remotos e dinâmicos, sendo oferecidos e executados diretamente na Web (computação em nuvem). Desse modo, a Web 2.0 reorganiza as relações entre produtores comerciais e a sociedade, encorajando a participação na produção e customização de serviços, de forma plural e colaborativa.

Nesse cenário complexo e dinâmico, diversas instituições educacionais internacionais começam a oferecer, para a comunidade acadêmica em geral, livre acesso a conteúdos abertos de cursos de graduação e pós-graduação, denominados Recursos Educacionais Abertos – REA (ROSSINI, 2012). Os REA são considerados uma das práticas da Educação Aberta, que é caracterizada por várias configurações de ensino e aprendizagem, tais como: liberdade do local de estudo, aprendizagem por módulos conforme o ritmo do estudante, autoinstrução com reconhecimento formal ou informal da aprendizagem, acesso gratuito aos cursos oferecidos, ausência de pré-requisitos para cursar uma determinada disciplina, utilização de materiais educacionais criados por professores e alunos, utilização de software abertos, entre outros (SANTOS, A., 2012).

Recursos Educacionais Abertos (REA)

São materiais de ensino, aprendizado e pesquisa em qualquer suporte ou mídia, que estão sob domínio público, ou estão licenciados de maneira aberta, permitindo que sejam utilizados ou adaptados por terceiros. O uso de licença aberta pressupõe o livre acesso aos recursos disponibilizados por terceiros, bem como a ausência de pré-requisitos e qualificações prévias para utilizá-los; o que implica a construção de materiais diversos, possibilitando a interoperabilidade e a padronização entre os diferentes repositórios. O uso de formatos técnicos abertos facilita o acesso e o reuso potencial dos recursos publicados digitalmente. Recursos Educacionais Abertos podem incluir cursos completos, partes de cursos, módulos, livros didáticos, artigos de pesquisa, vídeos, testes, software, e qualquer outra ferramenta, material ou técnica que possa apoiar o acesso ao conhecimento (Unesco/Commonwealth of Learning com colaboração da Comunidade REA-Brasil (2011).

Com efeito, os REA possibilitam a ampliação do acesso ao conhecimento, pois as licenças abertas garantem a sua disseminação e reuso, sem necessidade de autorização do autor ou pagamento de direitos autorais. Desse modo, os REA são um fenômeno da cibercultura, quando conteúdos midiáticos como materiais digitais de aprendizagem de cursos, planos de aulas, vídeos, imagens, livros, entre outros, são disponibilizados em um ambiente online, com o intuito de promover autorias docente e discente. O livre acesso à informação dinamiza o processo aprendizagemensino, possibilitando a criação, a interação, o compartilhamento, a remixagem, a atualização e a colaboração, contribuindo, ainda, para o desenvolvimento autoral da produção de artefatos culturais.

Imagine criar seus próprios materiais educacionais para potencializar a aprendizagem dos alunos e poder disponibilizá-los no ciberespaço para serem reusados ou remixados por outros professores e alunos!

Para promover a criação de artefatos digitais em sala de aula, primeiramente, é necessário escolher qual ou quais ambiências online será(serão) utilizada(s). Os ambientes online são espaços disponibilizados na Internet que possibilitam a comunicação gráfico-digital entre seres humanos e objetos técnicos, propiciando o compartilhamento das informações, a autoria, e a criação de vínculos sociais e afetivos. Esses ambientes configuram-se como canais comunicacionais promotores do diálogo, da colaboração e da reflexão crítica entre os participantes que, a partir de suas narrativas e imagens, produzem conhecimentos e ampliam seus repertórios à medida que interagem e negociam entre si. Podemos citar os Ambientes Virtuais de Aprendizagem (Moodle) e os software sociais Facebook, Twitter, Instagram, WhatsApp como ambientes utilizados para a interação entre os participantes.

Os Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVA) são os mais utilizados e customizados para atender às várias modalidades de ensino: presencial, online e híbrido. A preferência por essas plataformas é justificada pelos recursos comunicacionais e de conteúdos disponibilizados para atender às necessidades pedagógicas de colaboração e de interação. Esses recursos possibilitam a autoria, o compartilhamento e a produção de conhecimento.

Recursos de comunicação síncronos e assíncronos

Recursos comunicacionais síncronos requerem que todos os participantes estejam conectados simultaneamente em um determinado tempo e espaço para que seja possível a troca de informações e discussões em tempo real. Esse tipo de recurso assemelha-se a um encontro presencial. Exemplo: chat, webconferência.

Recursos comunicacionais assíncronos não necessitam que os participantes estejam conectados simultaneamente em um determinado tempo e espaço. Esse tipo de recurso permite a personalização do tempo pelo participante; ou seja, cada um poderá participar em momentos diferentes em um mesmo espaço. Exemplo: fórum, wikis, mensagens.

Em ambos os recursos é possível utilizar linguagens textual, sonora, audiovisual podendo ter representação gráfica por meio de um avatar ou transmissão de imagens do próprio participante. A adoção do tipo de linguagem será determinada pelo design dos sistemas computacionais.

Como afirmam Santos, E. e Rossini (2015), com a intensificação da participação do social na Internet, os AVA estão deixando de ser a centralidade como design estruturante de processos de aprendizagemensino, dando espaço aos software sociais. De acordo com Okada et al. (2012), esses software proporcionam espaços fecundos para inovação nas estratégias pedagógicas e metodológicas de produção, compartilhamento, reuso e remixagem de REA, favorecendo a aprendizagem colaborativa aberta. Caracterizada pela colaboração participativa e pela dialogicidade, a construção de REA ressalta a intencionalidade de “aprender fazendo”, mediante interação com o Outro, considerando os saberes prévios dos praticantes como base para o processo de criação. Nessa perspectiva, a aprendizagem se torna significativa, na medida em que se aprende a aprender, a fazer, a conviver com autorias conscientes, dinâmicas e criativas, que estimulam o desenvolvimento do pensamento crítico; a promoção da expressão e da comunicação; a aprendizagem de forma multirreferencial, flexível e prática; além de mobilizar diversas competências e valorizar a interação, a criatividade e o sentimento de corresponsabilidade.

Com a intensificação da participação do social nas interfaces da Web 2.0 para a criação colaborativa de informação e conhecimento (SANTOS, 2010), os AVA estão deixando de ser a centralidade como design estruturantes de processos de “ensinoaprendizagem”, dando espaço aos software abertos, em especial, as redes sociais.

Além da criação de REA, o reuso é um conceito-chave na tecnologia educacional ao promover ganhos de eficiência e qualidade na educação. Os cinco princípios flexíveis para a reutilização de conteúdos são (OKADA et. al., 2011):

  • Resultados claros de aprendizagem;
  • Conteúdo simples e bem descrito;
  • Conteúdo com discurso significativo (escalável, sustentável e sociável);
  • Metadados atualizáveis;
  • Princípios para acessibilidade.

Segundo Okada et. al. (2011), existem quatro níveis de reutilização de REA, variando do alto ao baixíssimo. Esses níveis possibilitam formas de reuso em artefatos digitais os quais se referem a uma simples adoção ou a uma adaptação, que envolve muitas mudanças. A adoção leva em consideração a seleção do material ou parte deste para se tornar um recurso para ser usado. A adaptação necessita de pequenas ou significativas mudanças no conteúdo. O Quadro abaixo mostra o processo de reutilização de REA:

Quadro – Níveis de Reutilização e formas de reutilizar REA
Fonte: Adaptado, pelos autores, de Okada et. al.(2011)
Níveis de reutilização Formas de reutilizar REA
ALTO
Recria o conteúdo contribuindo para novas produções
Re-autoria: Transformar o conteúdo adicionando sua própria interpretação, reflexão, prática ou conhecimento.
Contextualização: Alterar o conteúdo ou acrescentar novas informações, a fim de atribuir significado, sentido através de exemplos e cenários.
Redesenho: Converter um conteúdo num outro formato, ou seja, apresentar o conteúdo pré-existente num modo de apresentação diferente.
MÉDIO
Parte do conteúdo é adaptado, e a ideia essencial é captada em um processo de síntese
Síntese: Reduzir o conteúdo, selecionando as ideias essenciais.
Reaproveitamento: Reutilizar para uma finalidade diferente ou alterar para tornar mais adequado para diferentes objetivos de aprendizagem ou de resultados.
Versão: Implementar mudanças específicas para atualizar o recurso ou adaptá-lo para um contexto diferente.
BAIXO
O conteúdo pode ser adaptado em sua estrutura, em seu formato, em sua interface, ou em seu idioma
Tradução: Transpor o conteúdo de um idioma para outro.
Personalização: Agregar tecnologias para contribuir com o progresso individual e personalizado.
Reordenação: Alterar a ordem ou sequência.
BAIXÍSSIMO
Prática muito utilizada na Web 2.0, em que parte, ou todo o conteúdo, pode ser integrado a outros materiais, configurando-se como uma montagem; ou, o mesmo pode ser remixado, ao incluir componentes diferentes; ou, ainda, decomposto, separando o conteúdo em partes

Decomposição: Separar o conteúdo em diferentes seções, quebrar o conteúdo em partes.
Remixagem: Conectar o conteúdo com novas mídias, interfaces interativas ou componentes diferentes.
Montagem: Integrar o conteúdo com outros materiais a fim de desenvolver um módulo ou uma nova unidade de curso.

Todos os níveis de reutilização de REA podem ser encontrados nos ambientes online; com mais frequência, os níveis baixíssimo, baixo e médio. O nível alto de reutilização requer além de conhecimentos tecnológicos, a interpretação do seu significado para a produção de novos artefatos.

De acordo com esses autores, para que os materiais possam ser reutilizados é necessário que sejam:

  • pesquisáveis: os usuários podem encontra-los facilmente por meio de motores de busca;
  • acessíveis: podem ser indexados para recuperação fácil usando padrões de metadados;
  • disponibilizados: podem ser modificados e versionados para diferentes cursos sob licença de reutilização apropriada;
  • endereçáveis: podem ser abordados por meio de uma URL (endereço na Internet) conhecida;
  • interoperáveis: podem operar em diferentes hardware e software;
  • duráveis: podem permanecer intactos por meio de atualizações nos hardware e software.

Mas, como atribuir a autoria de um conteúdo digital disponível na Web?

Para usar, customizar e remixar conteúdos digitais obtidos na Internet, algumas medidas importantes deverão ser realizadas:

  1. Verificar se o conteúdo possui uma licença aberta e seu nível de atribuição.
    Há várias formas de verificar a existência ou não de licenças abertas em um determinado conteúdo:
  2. Atribuir os créditos conforme o nível de atribuição do conteúdo original:
    • Citar o autor na forma especificada a partir de alguma nota ou aviso contido no conteúdo ou no site de origem
    • Para atribuir os créditos, inclua: o título do trabalho (se houver) seguido do nome do autor, a URL do conteúdo e a URL da licença aberta.

Por oportuno, ressaltamos que para promover a reutilização de artefatos digitais é necessário que a filosofia da abertura esteja presente desde a sua concepção, sendo necessário desenvolver processos para a pesquisa, criação, adaptação, entrega e compartilhamento dos mesmos. Aplicativos de criação e customização de REA também devem ser fáceis e eficientes na sua utilização para a promoção da cultura do reuso.

Portanto, independentemente da ambiência utilizada, os recursos devem fazer parte de um planejamento que sejam considerados dispositivos formadores. Na verdade, esses se configuram como canais de comunicação, gerando novas autorias em diferentes linguagens (ex: som, imagem, texto, vídeo), podendo ser integradas e articuladas por uma mediação interativa intensa e provocadora. O diálogo, a colaboração, a reflexão crítica entre os participantes a partir de suas narrativas e imagens promoverá a ampliação do conhecimento conforme a implicação, a autorização e a autonomia de cada um.

ATIVIDADE: Vamos exercitar nossa autorias? Que tal, criarmos um vídeo?

A produção de vídeo deve considerar atividades concernentes à pré-produção e a pós-produção, que incluem, as seguintes ações:

  1. pré-produção – consiste na elaboração do planejamento e projeto do vídeo a ser produzido, envolvendo todas as demais atividades que serão realizadas, desde a concepção da ideia inicial até a filmagem, propriamente dita, como:
    • Sinopse: resumo geral do que vai ser apresentado no vídeo;
    • Argumento: descrição suscinta, de como irá se desenvolver a ação;
    • Roteiro: divisão do vídeo em cenas, com o objetivo de informar, textualmente, ao leitor, o conteúdo do vídeo.
  2. storyboard – é a representação das cenas do roteiro, sob a forma de desenhos sequenciais, tal qual uma história em quadrinhos; o que facilita sua visualização pela equipe de produção, antes que sejam gravadas.
  3. produção – etapa em que se realizam gravações das cenas. As imagens captadas formam um conjunto de cenas que, reunidas, compõem o vídeo.
  4. pós-produção – etapa final, definida pela edição e organização das tomadas gravadas para composição das cenas e do vídeo como um todo.

Após realizar as etapas acima, disponibilize o artefato em uma plataforma de compartilhamento de vídeo (ex: Youtube) e não esqueça de atribuir a licença CC para que possa ser compartilhado, reusado e remixado pela comunidade.

6. Considerações Finais

Como vimos, as mudanças ensejadas pela plasticidade e fluidez do digital possibilitaram-nos um novo modo de pensar e viver, alicerçado não mais em modos hegemônicos de pensamento. Tensões, conexões, formas diversas de produzir conhecimento se entrelaçam na rede, e provocam um significativo deslocamento da noção de autoria. A obra intelectual e artística perde sua configuração moderna, marcada pela figura de um autor reconhecido, para tornar-se coletiva, múltipla e, na maioria das vezes, anônima, fragmentada, inacabada, mutante e fugaz. Desse modo, deixa em evidência a colaboração intelectual, seja pela facilidade de interação na rede, ou mesmo pela complexidade híbrida da linguagem hipermídia. Essas transformações impactam, de forma significativa, o processo ensinoaprendizagem, dado que toda atividade pedagógica constitui uma situação concreta de comunicação que envolve a produção de discursos, podendo tornar-se um terreno fértil para o surgimento de autorias.

Compreender os ambientes virtuais de aprendizagem e a redes sociais, como espaços socioculturais repletos de significações e potencializadores da aprendizagem, é um dos grandes desafios docentes, de nosso século. Para isso, o aspecto colaborativo, criativo e solidário da educação necessita ser resgatado para sintonizar-se com os movimentos emergentes de abertura e liberdade presentes nas redes, nas quais uma multiplicidade de sentidos e vozes se encontram, sem, contudo, anularem-se. Ao contrário, complementam-se, dialogam e compartilham pontos de vista, expandindo-se ad infinitum.

Nessa ambiência, na qual se busca promover a circulação, a vivência e o habitar em outros espaços multirreferenciais do cotidiano, na imbricação cidade e ciberespaço, a noção de autoria coletiva tem se instituído; fazendo-se, cada vez mais presente em textos, músicas, imagens, narrativas, contos, e técnicas diversas, ou seja, em tudo o que pode ser modificado pelo discurso. O autor contemporâneo não se restringe as suas produções. Abre-se à possibilidade de formação infinita de outros discursos, enunciados e formas diferentes, ampliando repertórios e discussões numa perspectiva complexa. A possibilidade de (re)atualização transforma o discurso original proferido por um autor. Assim, o autor emerge quando constrói seus campos discursivo e epistemológico, transformando o precedente.

Desse modo, as noções de obra fechada e de autor, características da modernidade são substituídas por criações colaborativas em rede, implodindo a categoria de autor: agora, a interação é quem agrega esses estilhaços e possibilita que autorias coletivas emerjam, marcadas por vozes que se sustentam em outras vozes para criarem novos sentidos, nos quais manifestações discursivas textuais e imagéticas se entrecruzam e se fundem. Sob essa ótica, a autoria representa um construto sócio-histórico e cultural situado, e o autor não é mais do que uma invenção, uma construção ideológica sobre um fato, não sendo mais possível atribuirmos um nome a essas produções, sob pena de fecharmos seus sentidos, impedindo que os interatores/leitores possam ressignificá-los.

Todas essas constatações levam-nos à conclusão de que, na contemporaneidade, somos todos autores em potencial, na medida em que ancoramos nossos dizeres, em nossas memórias e nos dizeres alheios, assumindo uma posição responsiva e responsável pelo que expressamos. Dessa forma, poderemos contribuir para que os docentes, em suas práticas diárias, criem atos de currículo, amparados em dispositivos diversos, e trabalhem em colaboração com os alunos, de forma interativa e dialógica, estimulando-os a se autorizarem, ao mesmo tempo em que desenvolvem sua própria autoria.

Resumo

Mapa Mental deste capítulo
Mapa mental deste capítulo
Fonte: Autoras

Mudanças decorrentes do desenvolvimento das tecnologias digitais em rede impulsionaram um significativo deslocamento da concepção de autor, que podia ter sua identidade revelada, ora oculta ou disfarçada na obra. Consequentemente, seja na produção escrita, sonora ou imagética, o conceito de autor, como detentor de um tipo de conhecimento ou talento, vem sendo, gradativamente, substituído por uma atuação colaborativa em rede; a obra se torna um processo potencialmente inacabado, cujo ciclo de significação é passível de ‘fechamento’ apenas pelo leitor; autores se tornam leitores de si próprios e de todos os que integram esse espaço. Nesse contexto, autorias docente e discente, comprometidas com a produção do sentido, ao mesmo tempo coletivas e singularizantes, podem ser amplamente potencializadas em ambientes informatizados de aprendizagem. Com base nessas questões, as autoras apresentaram, neste capítulo, algumas reflexões e argumentos amparados em posicionamentos acerca das concepções de autor e de autoria, da formação de professores-autores e da apropriação do fenômeno da abertura do conhecimento, na perspectiva de uma educação livre, autônoma e plural.

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Exercícios

  1. Recentemente essas imagens viralizaram nas redes sociais, sob a forma de meme. Lembram? Criativas, não?
    Meme com Neymar
    Fonte: ShowClipaz. Acesso em 07.11.2018

    No pressuposto de que, em potência, somos todos autores, convidamos vocês a exercitarem suas autorias:
    a) Escrevam, de forma resumida, qual a ideia que o autor do meme quis nos transmitir.
    b) Apresentem argumentos a favor e contra a ideia apresentada na referida postagem.
    c) Criem um grupo com mais dois colegas e, a partir dessa postagem, apresentem-na em outros formatos, como por exemplo, sob a forma de história em quadrinho (HQ), charge, infográfico, poema, ou mesmo outro meme, e os disponibilizem nas redes sociais, como um REA , sob a licença CC BY.

  2. A partir da leitura do texto e das discussões públicas:
    a) Que práticas curriculares podem promover a autoria coletiva e colaborativa em/na rede?
    b) Elabore uma atividade que potencialize (ou promova) a autoria colaborativa em/na rede.
  3. Produza um REA relacionado à sua área do conhecimento, associe-o a um recurso síncrono ou assíncrono de um AVA/software social e convide os alunos a participarem da atividade educacional.

Notas

[1] Nos grupos em que desenvolvemos nossas pesquisas, os termos articulados como esse – e outros que aparecerão no texto – são assim grafados na tentativa de indicar os limites que as dicotomias do pensamento da modernidade criaram/criam ao desenvolvimento das pesquisas com os cotidianos (Alves, 2012).

[2] Processo dinâmico no qual uma nova informação se ancora em conceitos preexistentes na estrutura cognitiva do sujeito, atualizando-se quando um novo conceito é significado (Ausubel, 1968 (apud MOREIRA; MAZINI, 1982).

[3] Hoje aconselha-se utilizar o Google Docs, o editor de texto em nuvem, que permite além da construção colaborativa do texto, acesso a um espaço de bate-papo no próprio programa, para discussão simultânea.

Referências

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Sobre as autoras

Mirian Maia do Amaral
Mirian Maia do Amaral
(http://lattes.cnpq.br/6493381786772205)
Doutora e Mestre em Educação e Cultura Contemporânea com concentração em Tecnologia da Informação e da Comunicação, pela Universidade Estácio de Sá. Pós-doutora em Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. Especialista em Recursos Humanos e em Administração pela FGV. Licenciada em Letras e Pedagogia pela UERJ. Pesquisadora do GPDOC – Grupo de Pesquisa Docência e Cibercultura da UERJ. Atualmente é professora da FGV, e consultora em Educação, em organizações públicas e privadas. Autora de capítulos de livro e artigos diversos em sua área de especialização e afins.
Maristela Midlej Silva de Araujo Veloso
Maristela Midlej Silva de Araujo Veloso
(http://lattes.cnpq.br/3267415144528916)
Doutora em Educação do Programa de Pós-Graduação da UFBA (2014), Mestre em Educação pela Universidade Federal do Sul da Bahia (2007), possui especialização em Informática na Educação pela UEFS (1998) e em Gestão e Planejamento de Sistemas em EAD (2004), graduada em Letras pela UESC (1991). Atualmente é professora da Universidade Federal do Sul da Bahia. Autora de capítulos de livro e artigos diversos em sua área de especialização.
Tatiana Stofella Sodré Rossini
Tatiana Stofella Sodré Rossini
(http://lattes.cnpq.br/3695106932111883)
Doutora em Educação do Programa de Pós-Graduação da UERJ (2015), Mestre em Educação pela Universidade Estácio de Sá (2011), possui especialização em engenharia de sistemas pela Universidade Estácio de Sá (1998), graduada em Processamento de Dados pela Universidade Estácio de Sá (1996). Atualmente é pesquisadora do Grupo de Pesquisa Docência e Cibercultura (GPDOC) na UERJ e Consultora de TI na Caixa Econômica Federal. . Autora de capítulos de livro e artigos diversos em sua área de especialização.

Como citar este capítulo

AMARAL, Mirian Maia; VELOSO, Maristela Midlej Silva de Araujo; ROSSINI, Tatiana Stofella Sodré. A autoria coletiva no contexto da educação em tempos de cibercultura. In: SANTOS, Edméa O.; PIMENTEL, Mariano; SAMPAIO, Fábio F. (Org.). Informática na Educação: autoria, linguagens, multiletramentos e inclusão. Porto Alegre: Sociedade Brasileira de Computação, 2019. (Série Informática na Educação CEIE-SBC, v.2) Disponível em: <https://ieducacao.ceie-br.org/autoriacoletiva>

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